Como os ursos podem ajudar a medicina a evitar coágulos sanguíneos
Cientistas desvendaram como esses animais conseguem hibernar por tanto tempo sem desenvolver trombos no sangue
O hábito dos ursos-pardos (Ursus arctos) de hibernar por mais da metade do ano em temperaturas frias tem intrigado a ciência há algum tempo. Sabemos o porquê eles fazem isso, mas como conseguem permanecer saudáveis ao longo de meses, sem quase se mexerem, ainda era um mistério.
Se formos comparar aos humanos, por exemplo, basta um período de imobilidade temporária para, com certa facilidade, desenvolver coágulos sanguíneos. É um dos riscos do tratamento de uma perna quebrada, que pode originar uma trombose, doença caracterizada pela formação de um trombo em uma ou mais veias grandes das pernas e das coxas.
Um estudo recente publicado na revista Science lançou uma luz sobre como os ursos dormentes mantêm o sangue bombeando durante esses meses de torpor. O que pode, em um futuro próximo, ajudar a medicina a evitar a formação dos coágulos em humanos.
No trabalho, o médico cardiologista Tobias Petzold e a pesquisadora Manuela Thienel trabalharam com biólogos para estudar uma população desses animais na Suécia. Foram coletadas amostras de sangue de 13 ursos, no inverno e no verão, que ao serem analisadas por exames, revelaram quantidades de mais de 150 proteínas que variavam muito entre os hibernantes e os ativos.
Entre elas, a de maior disparidade entre os dois períodos era a proteína de choque térmico 47 (HSP47), que em ursos ativos ajuda na coagulação de cortes e para estancar sangramentos. Mas quando estão aconchegados em suas tocas, eles têm pouco uso para essa proteína coagulante. Em média, as plaquetas dos ursos em hibernação produziram 55 vezes menos proteínas HSP47 do que as dos ursos ativos, o que, provavelmente, reduz a capacidade das plaquetas de se agregar e restringir o fluxo sanguíneo.
“Não tínhamos ouvido falar muito sobre essa proteína e ficamos completamente surpresos ao descobrir que ela tem um impacto tão grande”, diz Manuela Thienel, do Centro Alemão de Pesquisa Cardiovascular e principal autora do artigo.
O próximo passo foi comparar amostras de sangue de pacientes humanos que sofreram lesões debilitantes na coluna com amostras de pessoas ativas e, assim, determinar se um mecanismo semelhante impede a coagulação. Assim como os ursos em hibernação, o sangue dos humanos cronicamente imóveis têm menos proteínas HSP47 circulantes.
A equipe também coletou sangue de vários indivíduos saudáveis antes de participarem de um estudo de simulação de voo espacial de um mês conduzido pela NASA e pelo Centro Aeroespacial Alemão. Após 27 dias de repouso na cama, as plaquetas dos participantes começaram a produzir significativamente menos HSP47 ao longo de sua imobilização experimental.
Os cientistas encontraram ainda um padrão semelhante no sangue de porcos com mobilidade limitada e camundongos criados em laboratório, o que fizeram concluir que essa redução da expressão das proteínas HSP47 pode ser um mecanismo de mamíferos para prevenir a coagulação durante períodos prolongados de repouso.
Um processo que, no entanto, parece levar tempo para se desenvolver, e as pessoas que sofrem de imobilidade de curto prazo, devido a doenças ou lesões, são mais suscetíveis à coagulação do que pessoas cronicamente imóveis.
Mas a conclusão é positiva e destaca como a compreensão da biologia de ursos e outros animais pode fornecer informações sobre como o funcionamento do corpo humano e, potencialmente, inspirar tratamentos ajustados para prevenir a coagulação em pacientes com imobilidade temporária no futuro.