Desde a Antiguidade, o ser humano busca meios de resguardar a pele do sol. Do azeite aplicado pelos gregos nos idos de 500 a.C. ao primeiro filtro solar moderno no fim dos anos 1940, as fórmulas e matérias-primas têm evoluído nos níveis de proteção. E não se trata apenas de cremes para espalhar pelo corpo. Filtros solares hoje fazem parte de batons, maquiagens e até roupas. Mas nem toda inovação tem sido suficiente para blindar as pessoas dos raios ultravioleta e reduzir a incidência do câncer de pele. Com as sucessivas ondas de calor extremo, possível efeito do aquecimento global, a ciência recruta reforços diante do astro-rei. E uma das soluções mais estudadas e prescritas ultimamente são os protetores orais, cápsulas que prometem ampliar as defesas cutâneas.
O debate sobre as pílulas com essa ação chegou a ficar meio adormecido, mas, com um período fértil de pesquisas e os alertas das mudanças climáticas, a categoria foi reavivada nos laboratórios e consultórios. A meta é prevenir danos graves, sobretudo os tumores de pele, os mais frequentes no planeta. Na mais recente edição do congresso da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), um painel foi dedicado ao tema. “A proposta é pensar na fotoproteção sistêmica, o que não quer dizer que vamos deixar de recomendar o protetor solar tópico, mesmo sabendo que existe uma dificuldade para a população usar no dia a dia”, diz o dermatologista Roberto Tarlé, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Na ocasião, foi discutida a indicação de cápsulas de nicotinamida, uma vitamina do complexo B, uma vez que ela já demonstrou potencial para prevenir a proliferação de células cancerosas e promover a recuperação celular. Em um estudo com 368 pacientes, o número de lesões malignas foi 23% menor nas pessoas que as ingeriram na comparação com o grupo placebo (comprimidos sem princípio ativo). Diferentemente do filtro em creme, que forma uma barreira física e química na superfície cutânea, a versão oral busca cuidar do organismo de dentro para fora. “Verificar formas de potencializar os benefícios do protetor tópico é uma tendência global”, diz Maurizio Pupo, farmacêutico especialista em cosmetologia. “No pós-pandemia, os cientistas começaram a estudar mais os efeitos das radiações solares, porque a camada de ozônio está ficando mais fina e o aquecimento do planeta, aumentando.” Essa preocupação se fundamenta em um cálculo resgatado em 2021, mas que data de 2011, segundo o qual para cada redução de 1% da espessura da camada de ozônio, estima-se um aumento de 1% a 2% no tipo mais grave de câncer de pele, o melanoma. Para os demais, o índice varia entre 2,7% e 4,6%.
A principal base para as pílulas vem de uma samambaia encontrada na América Central chamada Polypodium leucotomos, usada há muito tempo. É saber ancestral que demonstrou capacidade fotoprotetora em estudos modernos dentro e fora do laboratório. Os componentes ativos da planta apresentam propriedades antioxidantes que anulam os chamados radicais livres, moléculas formadas naturalmente, mas instigadas pela exposição à radiação ultravioleta, relacionadas tanto ao envelhecimento precoce como aos danos capazes de evoluir para tumores. Nessa esteira, outras substâncias ricas em antioxidantes e encontradas originalmente em vegetais, caso do licopeno e dos polifenóis, integram cápsulas que podem ser indicadas como proteção adicional a quem fica ao ar livre boa parte do tempo, como agricultores, atletas e profissionais de educação física — uma recomendação que também se aplica a pessoas mais claras, com tendência ou histórico de câncer de pele na família. Isso não quer dizer que os suplementos devam ser consumidos apenas no verão. O cronograma e a dosagem precisam ser estabelecidos por especialistas. E não se deve abrir mão do creme protetor.
Aí que está: o ganho de popularidade das pílulas não significa que as bisnagas de filtro solar podem ser deixadas de lado. Muito pelo contrário. Vários estudos apresentados recentemente sugerem que combinar é o melhor caminho. Fora isso, pesquisadores têm se debruçado sobre a melanina, o pigmento natural que nos defende dos raios solares, para o desenvolvimento de um bloqueador ainda mais potente. Inclusive uma versão sintética está sendo lapidada pela Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, com o objetivo de prevenir lesões e reparar a cútis queimada pelo sol — o creme, ainda em fase de testes, foi apelidado de “supermelanina”.
No Brasil, cientistas da USP constataram que a adição do antioxidante ácido rosmarínico na proporção de 0,1% ao protetor clássico elevou em 41% o fator de proteção solar (FPS), um elemento crítico para evitar as queimaduras. Sim, as opções para evitar as agressões cometidas pela exposição solar frequente ou exagerada devem se expandir nos próximos anos. Mas, por ora, a prudência manda não esquecer o bom e velho protetor solar, um chapéu e os óculos escuros em casa. E, sempre que possível, procurar a sombra de um guarda-sol.
Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2023, edição nº 2872