“Rir é um ato de resistência.” A frase do humorista Paulo Gustavo, de 42 anos, criador da impagável Dona Hermínia, a mãe de todas as mães, ecoou como um grito de dor em meio à tragédia da Covid-19 no Brasil. Naquele momento, início de maio, a morte do ator, em decorrência do vírus, virou retrato de uma triste passagem da recente história brasileira. Infelizmente, não havia muitos motivos para rir. O país alcançara 400 000 mortes, longe, muito longe, da “gripezinha” infame a que se referira o presidente Jair Bolsonaro. E devemos romper o ano com um número trágico: 620 000 pessoas terão perdido a vida na pandemia. Nas semanas que antecederam e sucederam a morte do artista que nos fazia gargalhar, havia uma distância amarga entre o Brasil que o governo federal tentava vender ao mundo e o que de fato ocorria nos lares, nos corredores dos hospitais e nos velórios. Uma tragédia.
Era preciso resistir de alguma maneira e inverter as curvas de casos e óbitos, que não paravam de subir. Obviamente, toda a comunidade científica internacional apontava um só caminho: o da vacinação. À revelia de Bolsonaro e seu círculo de alucinados, que ainda hoje negam a relevância da imunização, a toada de doses aplicadas no Brasil ganhou tração. Atualmente, mais de 78% da população está protegida com ao menos uma dose; 66% com duas e 10% já com a agulhada de reforço. Trata-se de um feito extraordinário, de relevância internacional, resultado do empenho de governadores e prefeitos associado ao esforço de profissionais da saúde e do SUS, uma máquina que o Brasil historicamente soube construir. Com a imunização, o permanente zelo na manutenção do distanciamento social e o uso de máscaras, o país que virara pária, o país que chorou por Paulo Gustavo começou então, feliz e lentamente, a vencer a batalha mais importante de nossa geração: a luta contra o vírus.
A queda do número de casos e da média móvel de mortes, inequivocamente, nos mostra isso. São esses dados que nos autorizam a enxergar neste 2021 que se encerra uma sensação de alívio e de esperança de que este pesadelo está acabando. E tudo isso, ressalte-se, graças às vacinas. Apesar de tudo, apesar das insanidades de alguns líderes que insistem no negacionismo, elas agora nos permitem desejar um Feliz Natal e um ótimo Ano Novo aos brasileiros. A pandemia acabará — e acabará porque o bom senso e o conhecimento venceram. Embora o problema ainda não tenha terminado e as novas variantes exijam atenção, podemos finalmente voltar a rir, como dizia Paulo Gustavo.
Publicado em VEJA de 29 de dezembro de 2021, edição nº 2770