Em 1906, o neuropatologista Alois Alzheimer apresentou, em um congresso de psiquiatria na Alemanha, o caso de uma mulher que morreu aos 55 anos depois de um progressivo quadro de esquecimento e desorientação. O cientista afirmou que havia identificado uma falha incomum no córtex cerebral, região decisiva para o raciocínio, a linguagem e a memória. Mais de um século depois, a doença de Alzheimer permanece envolta em mistérios, e os incontáveis esforços dos pesquisadores fracassaram, pelo menos até agora, na tentativa de criar um medicamento capaz de tratá-la adequadamente. Se o Alzheimer permanece como um enigma intransponível — e que tende a se tornar mais presente com o aumento da expectativa de vida da população —, a medicina se debruça agora sobre uma estratégia diferente. A ideia é pôr em prática um ambicioso plano de prevenção que combata os chamados riscos modificáveis, aqueles que podem ser alterados no decorrer da existência.
Não é de hoje que a ciência sabe que hábitos de vida e circunstâncias ambientais são fatores de risco para o Alzheimer. Em 2017, a Comissão Lancet, ligada ao periódico científico The Lancet, apresentou a primeira leva de riscos modificáveis, que incluíam baixa escolaridade, hipertensão, obesidade, depressão e diabetes. Em 2020, acrescentou à lista o consumo excessivo de álcool, lesão cerebral traumática e poluição do ar. Agora, sabe-se que problemas auditivos e visuais e até frágeis interações sociais podem acelerar o aparecimento da doença. “Conhecer os fatores de risco é passo fundamental para enfrentá-los”, disse a VEJA Gill Livingston, líder da Comissão Lancet e professor da University College London. “Isso nos dá mais controle sobre nosso futuro.”
A atenção com alterações auditivas e visuais significa a possibilidade de oferecer aos pacientes a manutenção das habilidades cognitivas e, portanto, assegurar maiores e melhores interações pessoais. “Esses problemas levam a um isolamento do mundo externo, o que faz com que o cérebro passe a ter menos estímulos”, diz Arthur Jatobá, neurologista do Hospital Brasília e membro da Academia Brasileira de Neurologia. Outra frente que tem se desenvolvido exponencialmente é o diagnóstico cada vez mais cedo (leia no quadro). “O Alzheimer não tem cura, mas a detecção precoce permite que a doença progrida de forma mais lenta”, diz a patologista Livia Avallone, coordenadora de novos produtos da rede Dasa.
Desde a sua descoberta, o Alzheimer confunde médicos e pessoas próximas dos pacientes por seus sintomas que parecem ser normais da velhice ou relacionados a outros males, como depressão. A aflição dos profissionais e familiares se dá pelo poder incapacitante da doença, que elimina lembranças, habilidades e a autonomia dos idosos. A derrota mais recente veio do remédio experimental crenezumab, que, supunha-se, poderia retardar o avanço ou prevenir a enfermidade. Há alguns dias, a Genentech, empresa do Grupo Roche, divulgou que o estudo iniciado em 2013 com 252 voluntários portadores de uma mutação genética responsável por episódios precoces da doença trouxe resultados decepcionantes.
Por mais que a longevidade seja um fator a ser celebrado por sua relação com progressos na área da saúde, ela leva inevitavelmente ao aumento de enfermidades que afetam a população com mais de 65 anos. Em janeiro deste ano, um levantamento do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME, na sigla em inglês) estimou que, em 2050, 153 milhões de pessoas viverão com algum tipo de demência, incluindo o Alzheimer. Em 2019, eram 57 milhões. No Brasil, esse número é de 1,5 milhão de pacientes, de acordo com o Ministério da Saúde, mas há subnotificação. A doença de Alzheimer é fonte de imenso sofrimento para pacientes e familiares, que veem o lento apagar de seus entes queridos. Enquanto o esperado tratamento não vier, a prevenção é o melhor caminho.
Publicado em VEJA de 27 de julho de 2022, edição nº 2799