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Vencedor claudicante

Recep Erdogan corre para consolidar seu autoritarismo na Turquia, mas a crise econômica que se aproxima e sua saúde debilitada podem frustrar suas ambições 

Por Thais Navarro
Atualizado em 4 jun 2024, 16h41 - Publicado em 29 jun 2018, 06h00

Somando quinze anos consecutivos no poder, como primeiro-ministro e como presidente, o turco Recep Tayyip Erdogan, 64, tornou-se o governante mais longevo de seu país. Passou até mesmo Mustafa Kemal Ataturk (1881-1938), o mítico fundador da Turquia moderna. No último domingo, 24, em eleições antecipadas, Erdogan conseguiu o direito de ficar mais cinco anos na Presidência, com 53% dos votos. No fim do mandato, poderá se reeleger ainda mais uma vez. A extensão de sua autoridade não tem paralelo na história recente da Turquia. Isso porque, em um plebiscito no ano passado, ele alterou o sistema político para o presidencialismo e extinguiu o cargo de primeiro-ministro, cujo ocupante poderia lhe fazer sombra. “Erdogan já construiu uma força enorme, mas de agora em diante poderá desfrutar poderes quase ditatoriais com a mudança na Constituição”, diz Ariel Salzmann, professora de história islâmica na Queen’s University, no Canadá.

Três fatores, porém, podem melar os planos de Erdogan. O primeiro é a elevada possibilidade de uma crise econômica no país no próximo ano. O aumento dos gastos governamentais para cobrir a aventura bélica na Síria, onde a Turquia montou bases militares, elevou a dívida pública, aqueceu a inflação, que está perto dos 11% ao ano, e desvalorizou a moeda nacional, a lira. “Erdogan quis que as eleições acontecessem agora porque sabe que as consequências da crise econômica serão sentidas com muito mais força em 2019”, diz o historiador espanhol Jordi Tejel Gorgas, especialista em Turquia do Instituto Graduate, de Genebra, na Suíça. “A antecipação do pleito foi muito bem calculada.”

Erdogan também não vai bem de saúde — algo que ele esconde como um segredo de Estado, assim como fizeram o cubano Fidel Castro e o venezuelano Hugo Chávez. Em novembro de 2011, o turco realizou uma cirurgia no sistema digestivo, mas a demora em retomar as funções levantou suspeitas. Em 2012, em um documento publicado pelo site Wiki­Leaks, uma pessoa próxima de Erdogan afirmava que o governante tinha câncer de cólon e extraíra um tumor de 20 centímetros. No ano passado, durante visita a uma mesquita em Istambul, ele desmaiou. No início de junho, em uma entrevista transmitida por todos os canais de televisão da Turquia, o presidente teve dificuldade de se lembrar do nome de uma cidade onde havia discursado no mesmo dia.

O terceiro obstáculo para o poder de Erdogan é que a oposição está mais organizada, pois conseguiu superar a repressão a jornalistas, militares dissidentes e seguidores do clérigo Fetullah Gülen para se unir na eleição em torno do candidato social-democrata Muharrem Ince, que obteve 30% dos votos. A coalizão de partidos opositores cresceu no Congresso. Na atual legislatura, Erdogan tem 65% dos parlamentares. Na próxima, terá maioria apertada de 57,3%. Erdogan é um vencedor no seu pior momento.

Publicado em VEJA de 4 de julho de 2018, edição nº 2589

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