O pai queria que o filho seguisse uma carreira convencional, mas, quando descobriu que ele não seria médico, deu-lhe um prazo para achar seu caminho: “Tenta esse negócio de YouTube por uns seis meses. Se não der certo, volta para casa”. A casa era em Boston, onde vivia a família de Jônatas de Moura Penna. Em seu trajeto rumo à vida adulta, Joe Penna — como ele assina suas produções na internet e agora no cinema — mudou-se, em 2009, para Los Angeles, onde tentaria avançar sua então incerta carreira de youtuber, iniciada em 2006. Escolheu a cidade porque ela “lembrava o Rio de Janeiro” (embora não seja carioca: é natural de Poá, região metropolitana de São Paulo). Para sobreviver, produzia comerciais e buscava patrocínios para suas criações. De músico amador que postava vídeos no YouTube com o pseudônimo MysteryGuitarMan, ele passou a cineasta independente, criando filmes de curta-metragem. Agora Joe Penna, de 30 anos, deu uma pausa em seu canal de vídeo — 2,7 milhões de seguidores — para apresentar seu primeiro longa-metragem, Ártico, em um ambiente bem mais tradicional: o Festival de Cannes.
O YouTube foi sua escola. Em seu canal no site, Penna desenvolveu a habilidade de produzir, filmar e, sobretudo, editar, como demonstram suas versões engenhosas de músicas como a Quinta Sinfonia de Beethoven (tocada com vuvuzelas), ou Bohemian Rhapsody, do Queen (com apitos deslizantes). Em Los Angeles, Penna abriu uma produtora e passou a fazer comerciais para a TV.
Também começou a circular nas rodas do cinema e da televisão. Conheceu o ator Orlando Jones (das séries Sleepy Hollow e American Gods) em uma festa. “Disse que era fã. Depois, mandei um roteiro, e ele gostou”, lembra Penna. Nascia o primeiro curta, Meridian, estrelado por Orlando Jones (e, claro, disponível no YouTube). O modesto filme de dez minutos encantou o oscarizado Ron Howard (de Uma Mente Brilhante), que produziu o próximo curta. Instant Getaway é sobre um imigrante acusado de assassinato. A trama é de tom realista, mas trata-se de ficção científica: os imigrantes vão de um país a outro por teletransporte. O terceiro curta, Turning Point, também joga no campo da fantasia sombria. Ganhou o respaldo do time de produtores da série The Walking Dead.
É visível a melhora gradual de um título para o outro. O próprio diretor concluiu que era a hora de um passo maior: o longa-metragem. Os projetos de Penna até então eram voltados para o público adolescente, e sempre envolviam tecnologia. Ele quis mudar o registro: “Escrevi um drama para adultos e fui atrás de financiamento”. Assim surgiu Ártico. O roteiro acompanha um homem que sobrevive há meses em uma região desabitada no Polo Norte, onde caiu em razão de um acidente de avião. No plano original, o cenário seria Marte — ideia descartada depois de Perdido em Marte (2015). Para ganhar a confiança de investidores, que raramente apostam em um diretor estreante, Penna sabia que precisava de um nome de peso para seu enxuto elenco de uma pessoa. Uma agência envolvida no projeto sugeriu o dinamarquês Mads Mikkelsen, que acabava de fazer duas superproduções, Rogue One: uma História Star Wars e Doutor Estranho. Penna não levou fé: “Até parece que ele iria querer fazer um filme minúsculo”. O ator leu o roteiro e respondeu que concederia ao diretor brasileiro a chance de vender seu filme em quinze minutos, via Skype. A conversa acabou durando duas horas e terminou com o compromisso de Mikkelsen: “Vou deixar a barba crescer para o papel”.
Com o tal nome de peso conquistado, o orçamento do longa chegou a 3 milhões de dólares, valor que manteve toda a equipe na Islândia pelos vinte dias de filmagem. Sobre o ator, Penna é só elogios: “É extremamente dedicado e muito atento. Não reclamou de andar quilômetros em busca do cenário ideal”. Em Cannes, Ártico será exibido nas sessões da meia-noite, fora de competição. “O festival abriu portas. Estou recebendo roteiros”, celebra Penna. A participação em Cannes é uma credencial que ainda não se obtém no YouTube: “A sensação é de que eu tinha uma Ferrari, mas sem carteira de motorista. Agora que entrei em Cannes, consegui minha licença para dirigir”.
Publicado em VEJA de 16 de maio de 2018, edição nº 2582