Fazia meses que eu guardava em casa uma aliança para pedir o meu namorado, Carlos Eduardo, em casamento. Tenho 24 anos; ele, 20. Somos cristãos, achamos feio ficar amasiados, por isso sonhamos em nos casar. Eu já havia dito que o pedido precisava ser mirabolante. Quando soube que a cantora canadense Shania Twain viria ao Brasil, para a Festa do Peão de Barretos, percebi que era minha chance de fazer algo espetacular. Eu me tornei fã dela aos 9 anos e admiro muito suas músicas, sua história de vida.
Sou professor de língua portuguesa e o Carlos trabalha na área administrativa de um supermercado, em Buri, no interior de São Paulo. Há seis meses começamos a viver juntos em uma quitinete. Decidimos ter um canto nosso para trocar carinhos sem ninguém para nos julgar. Minha família e a dele nos ajudaram com o aluguel, alguns móveis, mas estamos na fase de pagar continhas, uma parcela aqui, outra ali. Por questões financeiras, quase desistimos de ir ao show, mas o Carlos me deu os ingressos de presente.
Foi a nossa primeira vez na Festa do Peão. Fiz cartazes pedindo que fôssemos chamados ao palco, mas estávamos na pista simples, onde era difícil a Shania nos enxergar. Reconheci o marido da cantora passando pelo público e corri até ele. Expliquei que gostaria de pedir o Carlos em casamento durante o show, e ele me apresentou a uma produtora, que prometeu me ajudar. Chorei e pulei tanto que o segurança até brigou comigo, insistindo que me acalmasse, mas, pouco antes de eu encontrar a Shania, o mesmo profissional me aconselhou: “Respire e aproveite este momento”.
No palco, contei à cantora que pediria meu namorado em casamento ali. Ela adorou a ideia e me encorajou. Estávamos de bota, eu de camisa xadrez. Olhei para ele, me ajoelhei e disse ao microfone: “Você quer se casar comigo?”. Ele respondeu: “Eu quero”. Coloquei a aliança em sua mão. Demos um beijo e um abraço. O público aplaudiu e a Shania cantou alguns versos de From This Moment on.
Só na segunda-feira seguinte, quando falava com meus alunos do 9º ano, percebi a loucura que tínhamos feito. Os estudantes perguntaram como eu havia tido coragem de mostrar uma relação homoafetiva na Festa do Peão de Barretos, evento conhecido pela presença de homens que laçam mulheres. Na hora não pensei em nada disso. E, pasmem, a arena de 100 000 pessoas celebrou meu pedido. Um membro do fã-clube da Shania me contou que um senhor gritou coisas horrorosas no meio da plateia. Depois, nas redes sociais, recebemos críticas, como a de um cara que escreveu que, se estivesse lá, teria jogado a bota na gente.
No dia a dia em Buri não sentimos muito preconceito. A família do Carlos mostrou resistência no começo, mas com o tempo viu que nos amamos. Somos pessoas de valor, que se respeitam e pensam no futuro uma da outra. O pai dele, que é caminhoneiro, agora já me aceita. Quando parte em viagem, eu digo “Vai com Deus”. Ele responde: “Amém”.
Não sei ainda como será o nosso casamento. Queríamos muito ter uma cerimônia religiosa, com um pastor ou um padre, mas sabemos que isso não é possível. Não somos discriminados a ponto de não ir à missa ou ao culto — ele é católico e eu sou evangélico —, mas sentimos falta de usufruir por completo as religiões. Fico triste, pois sou cristão. Jesus nunca tocou no assunto da homoafetividade, só Paulo, mas evito discutir isso, pois é um debate que não acaba nunca. O importante é que nós dois nos sentimos abençoados. Vamos contratar um cerimonialista para conduzir o ritual e com certeza entraremos na celebração ao som de From This Moment on. E eu pretendo cantar na ocasião. Adoro cantar.
Depoimento dado a Raquel Carneiro
Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2018, edição nº 2598