Por ser um ateu convicto e declarado, o socialista Pedro Sánchez decidiu tomar posse do governo espanhol sem ter de jurar com uma Bíblia e um crucifixo sobre a mesa. A dispensa dos adereços é uma possibilidade desde que, em julho de 2014, o rei Felipe VI (no centro da foto) concordou em abrir mão de alguns rituais em nome da liberdade religiosa. “Prometo pela minha consciência e pela minha honra”, disse Sánchez, com a mão direita sobre a Constituição no Palácio Real de Zarzuela, em Madri.
O economista de 46 anos foi catapultado ao topo horas depois de os deputados votarem uma moção de censura contra o premiê Mariano Rajoy (atrás do rei, de barba branca), do Partido Popular (PP). Em maio, um ex-tesoureiro da sigla, Luis Bárcenas, nomeado por Rajoy, foi condenado a 33 anos e quatro meses de prisão por comandar um esquema de fraude e lavagem de dinheiro para beneficiar o PP. Rajoy testemunhou dizendo que só cuidava da política, e não das finanças. Foi contestado pelos juízes. O núcleo duro do governo Sánchez será formado quase exclusivamente por mulheres e membros do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que conta com apenas 84 dos 350 deputados. Já vai longe o tempo em que a política espanhola era dominada por dois partidos, o PP e o PSOE. Com uma realidade extremamente fragmentada, Sánchez terá de negociar a todo momento com os grupos que votaram pela saída de Rajoy. O gazpacho inclui socialistas radicais, direitistas bascos e separatistas catalães. Com o orçamento amarrado pela União Europeia, só mesmo apelando para a Bíblia de modo a seduzir a todos.
Publicado em VEJA de 13 de junho de 2018, edição nº 2586