Quatro anos atrás, ao anunciar as indicadas ao Oscar de melhor atriz coadjuvante, o comediante Seth McFarlane emendou a notícia com uma piada incômoda: “Parabéns, meninas, vocês agora não precisam mais fingir que sentem atração sexual por Harvey Weinstein”. Hoje se sabe que não era brincadeira: McFarlane tomara conhecimento de um caso de assédio por uma das vítimas de Weinstein, Jessica Barth. Um dos produtores mais poderosos da história recente do cinema americano, Weinstein, de 65 anos, teve sua folha corrida de abusador exposta, no início do mês, em uma avassaladora reportagem do jornal The New York Times. Ashley Judd foi a primeira atriz conhecida a acusar Weinstein, cujas vítimas também incluíram jovens aspirantes que, enojadas, desistiram da profissão. Como é comum nesses casos, a revelação primeira encorajou outras mulheres a sair a público. Recentemente, estrelas como Angelina Jolie e Gwyneth Paltrow relataram avanços indevidos do produtor.
Em 1979, ao lado do irmão Bob, Harvey Weinstein fundou a Miramax, que hoje pertence à Disney, e, em 2005, lançou a Weinstein Company, de cuja presidência acabou demitido, em decorrência do escândalo. Os filmes que ele produziu já acumulam mais de 300 indicações ao Oscar. Harvey Weinstein empregava a estrutura empresarial de seu império para silenciar acusadoras: seu departamento jurídico teria gasto de 75 000 a 150 000 dólares em acordos e indenizações. O modus operandi do produtor era quase sempre o mesmo: chamava atrizes para “reuniões de trabalho” em seu quarto de hotel ou no escritório. Ali, trajando apenas um robe (às vezes nem isso), insistia em receber uma massagem — e a partir daí impunha outros caprichos sexuais. Qualquer recusa era respondida com ameaças de banimento total da indústria. A atriz Asia Argento relatou que Weinstein a obrigou a receber carícias orais íntimas — situação que ela retratou no primeiro filme que dirigiu, A Diva Escarlate, de 2000.
A lama ameaça respingar em outras celebridades. Sharon Waxman, ex-repórter do The New York Times, disse que Matt Damon e Russell Crowe foram arregimentados por Weinstein, em 2004, para dissuadi-la de escrever uma reportagem que falaria de um funcionário que o produtor empregaria para trazer atrizes para suas armadilhas. Damon alega que de fato procurou Sharon, mas que nada foi dito, na conversa, sobre casos de assédio, e a jornalista, no Twitter, confirmou a versão do ator — dando a entender que Damon realmente desconhecia as histórias de assédio.
Entre acusações e desmentidos, há um natural constrangimento no meio cinematográfico, em que Weinstein era Deus — foi assim que Meryl Streep, hoje chocada com as revelações, o qualificou em uma cerimônia de premiação. Weinstein não parecia caber no figurino do empresário-tubarão que, na velha Hollywood, abusava de Rita Hayworth ou Marilyn Monroe. O produtor de Pulp Fiction e Shakespeare Apaixonado gozava da aura de profissional progressista. Empenhava-se em campanhas humanitárias para combater a aids e a pobreza e doava dinheiro regularmente a campanhas de candidatos do Partido Democrata (pelo menos sete senadores beneficiados por essas colaborações, como o ex-comediante Al Franken, anunciaram que doarão o montante recebido a instituições de caridade). Amigo de Barack Obama, o produtor foi inclusive o primeiro empregador de Malia, a filha primogênita do ex-presidente, que estagiou na Weinstein Company em Nova York. Harvey Weinstein fez carreira vendendo ficções e imagens — e a sua própria imagem era uma ficção ruim.
As acusadoras
O que denunciam quatro das estrelas que recentemente vieram a público para falar dos episódios de assédio e abuso sexual do produtor
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2017, edição nº 2552