Atolado em dívidas, o Rio de Janeiro está prestes a ser resgatado. Em um acordo oficializado nesta semana por Rodrigo Maia, que cumpria o seu último dia como presidente em exercício durante a viagem de Michel Temer à China, o governo federal deu um afago bilionário e para lá de generoso ao estado quebrado. Até 2020, 41 bilhões de reais deverão reforçar o caixa fluminense, por meio do alívio provisório de dívidas e novas concessões de empréstimos. Combinado ao esperado ajuste nas despesas e aumento nas receitas, o aporte poderá chegar a 63 bilhões de reais nos próximos anos. Assim o estado conseguirá honrar a folha de pagamentos, quitar aposentadorias atrasadas e pagar a fornecedores. Maia, presidente da Câmara, deputado federal pelo Rio de Janeiro e possível candidato ao governo estadual em 2018, verteu lágrimas durante a assinatura do acordo: “É uma emoção muito grande poder participar deste momento, na defesa do nosso estado. Sabemos a dificuldade que tivemos para aprovar o projeto na Câmara”.
Tensas, as negociações duraram sete meses. Apesar de também estar em uma situação fiscal de aperto, o governo federal resolveu abrir mão da cobrança da dívida do governo fluminense com o Tesouro por até seis anos. Pelo menos 30 bilhões de reais deixarão de entrar no caixa da União. Para liberar dinheiro de um lado, o governo precisa tomar emprestado de outro: todos os brasileiros darão a sua contribuição para o resgate do Rio, estado que administrou com imprevidência brutal as suas finanças nos governos de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão. O BNDES contribuirá com um empréstimo de 3,5 bilhões de reais, parte dos 11 bilhões previstos, montante a ser usado para quitar as despesas mais urgentes do estado. Só mesmo as artimanhas da política para justificar a participação nessa transação de um banco público cuja função deveria ser o financiamento de empresas e projetos de infraestrutura. Como garantia, o banco contará com ações em bolsa da Cedae, companhia de água e esgoto do Rio, o que só foi possível depois da aprovação da privatização da estatal.
O caos financeiro do Rio nasceu do aumento explosivo do gasto com folha de pagamento de pessoal, tanto de servidores da ativa como de aposentados e pensionistas. Entre 2009 e 2015, os recursos destinados ao funcionalismo quase triplicaram. O estado cobriu o aumento astronômico do custo salarial com as receitas extraordinárias da exploração do pré-sal. Quando o preço do barril do petróleo caiu e os royalties encolheram, o rombo apareceu. Atualmente, 70% da arrecadação estadual está comprometida com o salário do funcionalismo, patamar acima dos 60% permitidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, sancionada em 2000. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) deveria ser o responsável por não permitir que tal limite fosse ultrapassado, mas na prática até ajudou o governo a adotar uma metodologia malandra para ocultar o estrago. Com a permissão do TCE, o estado abatia o valor arrecadado com royalties do montante gasto com funcionalismo — não há, obviamente, nenhuma justificativa fiscal ou lógica para tal método. Mas, aqui, a pedalada fiscal, em vez de punida, agora está sendo premiada. Caso a União não estendesse a mão ao governo fluminense, o Rio continuaria no vermelho até pelo menos 2023. O efeito seria mais atraso de pagamento de salários, aposentadorias e contratos. Um caos. Sem ajustes, entretanto, o socorro financeiro terá vida curta.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2017, edição nº 2547