O americano John D. Rockefeller é considerado o primeiro bilionário americano. Há exato um século, o magnata do petróleo, fundador da Standard Oil Company, tinha uma fortuna estimada em 1,5 bilhão de dólares. Era dinheiro equivalente a 2% de toda a produção econômica anual dos Estados Unidos à época. Por essa métrica, hoje o americano mais rico deveria ter mais de 350 bilhões de dólares — e ninguém tem, ainda, tanto dinheiro. A fortuna acumulada pelo americano Jeff Bezos, o fundador da Amazon, coloca-o na liderança atual no ranking dos plutocratas planetários, com um patrimônio que era de 113 bilhões de dólares na semana passada. Se antigamente os bilionários eram os monopolistas do petróleo e do aço, hoje as grandes fortunas são amealhadas sobretudo no mundo da tecnologia e das finanças. Bezos, Bill Gates, o fundador da Microsoft, e Warren Buffett, o investidor mais bem-sucedido dos Estados Unidos, possuem, juntos, a mesma riqueza de toda a metade mais pobre da população americana. Em números: os três dispõem de um patrimônio equivalente ao de 160 milhões de americanos. Obviamente, o aumento da concentração de renda não é exclusividade dos Estados Unidos, mas um fenômeno que vem se acentuando em escala global. A fortuna dos 42 maiores bilionários mundiais é igual ao patrimônio dos 3,7 bilhões mais pobres do mundo. Há apenas um ano, era necessário somar a fortuna de 61 bilionários para alcançar o total da metade menos afortunada.
Esses dados fazem parte de um relatório da Oxfam, organização inglesa que se dedica a combater a pobreza no mundo. Foram apresentados, como de praxe, às vésperas do Fórum Econômico Mundial, em Davos, a cidade suíça encravada nos Alpes onde se realiza, a cada janeiro, o encontro mais badalado de lideranças e executivos internacionais. No Brasil, os cinco maiores bilionários do país possuem uma riqueza somada de 85 bilhões de dólares, o que corresponde ao montante acumulado pela metade mais pobre da população. A lista dos endinheirados é encabeçada pelo empreendedor Jorge Paulo Lemann, com uma fortuna estimada em 29,2 bilhões de dólares. Completam o topo os seus colegas e cofundadores da AmBev, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, além do banqueiro Joseph Safra e de Eduardo Saverin, um dos criadores do Facebook.
A extraordinária valorização das ações nos últimos meses contribuiu decisivamente para a multiplicação dos bilionários e também da riqueza acumulada por eles. O número de bilionários mais do que dobrou desde a crise de 2008, e hoje, pela primeira vez, existem mais de 2 000 pessoas com patrimônio pessoal de mais de 1 bilhão de dólares (veja o quadro abaixo). No mundo globalizado, no qual os grandes negócios atingem cifras inimagináveis, os rendimentos da pequena fração situada no topo da pirâmide social crescem inevitavelmente com maior velocidade do que os salários daqueles que estão na base. Entre 2006 e 2015, o ganho dos trabalhadores subiu em média 2% ao ano, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Já o clube dos bilionários obteve uma alta anual de 13%. No ano passado, como reflexo da valorização dos ativos financeiros, o descompasso foi ainda mais intenso: uma fatia expressiva de 82% de toda a riqueza gerada no mundo foi parar nas mãos do 1% mais rico da população, enquanto os 50% mais pobres não tiveram nenhum ganho de patrimônio. Uma análise mais detalhada mostra que, mesmo entre os mais ricos, há um grupo ainda mais privilegiado, cuja fatia da renda total avança na velocidade da luz: é o 0,01% mais rico, gente como Bezos, Gates e Buffett.
A globalização e a tecnologia, em alguma medida, também ajudaram os mais pobres. Mais de 1 bilhão de pessoas saíram da pobreza extrema nas duas últimas décadas, em razão dos avanços na China e em outras nações asiáticas. Mas nos países desenvolvidos muitas famílias ficaram para trás e viram sua renda estagnar. Os políticos e os economistas ainda se debatem para encontrar uma fórmula para atacar esse desequilíbrio. Em linhas gerais, a receita envolve educação, tributação mais justa e crescimento econômico com geração de empregos. Sem isso, os populistas continuarão dizendo que… Bem, continuarão dizendo besteiras.
Publicado em VEJA de 31 de janeiro de 2018, edição nº 2567