Quando centenas de milhares de imigrantes pediam um lugar seguro e melhor para viver, a chanceler alemã Angela Merkel, num gesto elogiável, abriu seu coração e seu país. “Se a Europa falhar na questão dos refugiados, essa não será a Europa que sonhamos”, disse ela em 2015, ano em que uma massa fenomenal de 1 milhão de imigrantes e refugiados chegou ao continente. A generosidade teve um alto custo político. Em 2017, um partido radical de direita, o Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão), tornou-se a terceira maior força política no Parlamento. Para conseguir a maioria necessária para governar, Merkel foi obrigada a montar uma coalizão com outros dois partidos, o Social-Democrata (SPD) e a União Social Cristã (CSU). Ambas as legendas são mais refratárias aos imigrantes e, em troca do apoio a Merkel, ganharam cargos-chave no governo.
Agora, a conta chegou. No domingo 1º de julho, o ministro do Interior, Horst Seehofer, da CSU, insatisfeito com a política de imigração, pediu para deixar o cargo. Merkel, para mantê-lo e salvar seu governo, teve de recuar e restringir a entrada de imigrantes e refugiados no país. A partir de agora, os solicitantes de asilo que já tenham se registrado em outro país da União Europeia e que cheguem à Alemanha ficarão em abrigos na fronteira. Terão, então, seu pedido examinado e, caso ele seja negado, serão enviados ao país onde se registraram pela primeira vez. A posição inicial de Seehofer era que eles fossem prontamente rejeitados. “Merkel quer levar a coalizão em um sentido mais progressista, a favor dos direitos humanos, e a CSU está incomodada com isso. Se os ataques continuarem, isso poderá ser fatal para ela”, diz a americana Jennifer Jenkins, professora de política alemã na Universidade de Toronto, no Canadá.
O recuo de Merkel acontece no momento em que a imigração para a Europa deixou de ser um problema tão agudo (veja o quadro). A guerra na Síria se estabilizou e o Estado Islâmico foi derrotado. Acordos para conter o fluxo de gente foram assinados com a Turquia, o Níger e o Sudão. Mas, apesar do alívio, continua o temor de uma avalanche. “Permeia a população o receio de que o que aconteceu em 2015 possa se repetir”, diz o sociólogo alemão Dirk Baier, professor da Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique.
Publicado em VEJA de 11 de julho de 2018, edição nº 2590