Ator dramático, super-herói, galã romântico, astro da Broadway, apresentador do Oscar e cara legal: não há artista, hoje, que reúna mais credenciais que o australiano Hugh Jackman para protagonizar um filme intitulado O Rei do Show (The Greatest Showman, Estados Unidos, 2017), já em cartaz no país. Produção opulenta com canções feitas para atores como Zac Efron, Michelle Williams, Rebecca Ferguson e Zendaya soltarem a voz, o musical recria, com amplas liberdades dramáticas, a trajetória de P.T. Barnum (1810-1891), figura tão fascinante quanto controversa que marcou a história americana a partir dos anos 1840. Com seus shows de aberrações, espetáculos de circo e golpes publicitários, Barnum é um pioneiro de invenções que estão na corrente sanguínea da cultura pop: o factoide, a autopromoção e o marketing.
Dirigido pelo estreante Michael Gracey e roteirizado por Bill Condon (diretor de Dreamgirls e A Bela e a Fera), O Rei do Show é deliciosamente compensador como musical, apesar de — ou pelo fato de — preferir a versão simplificada de Barnum, a do garoto pobre que desde pequeno sonhou grande, e que se vingou do desprezo com o sucesso. Mesmo o lance que tornou Barnum célebre — o circo com mulher barbada (a ótima Keala Settle), anões e homens tatuados ou obesos — é tratado pelo viés simpático da inclusão dos marginalizados. O Barnum verdadeiro, porém, foi um oportunista que bem antes dos 20 anos já começara a fazer fortuna com seu dom para criar negócios onde outros só viam problemas ou riscos, e que teria dito que “ninguém jamais perdeu dinheiro subestimando o gosto do público americano” (atribui-se a ele, ainda, o dito de que “a cada minuto nasce um novo idiota”). Por mais prazeroso que seja O Rei do Show, também esse Barnum não tão edificante mereceria seu próprio filme.
Publicado em VEJA de 3 de janeiro de 2018, edição nº 2563