Os projetos de infraestrutura podem ter o condão de, simultaneamente, estimular a economia, gerar empregos e aumentar a produtividade. Os ganhos para o país ocorrem na forma de escoamento mais barato e com menos desperdício da produção, ou, por exemplo, na redução do tempo que um trabalhador demora para retornar à sua casa. Os investimentos podem também aumentar a capacidade de geração de energia e levar a eletricidade a novas localidades, incentivando outros negócios e melhorando a qualidade de vida da população beneficiada. A questão é: como incentivar o aumento dos investimentos em infraestrutura?
Três características tornam únicos os projetos de infraestrutura. Em primeiro lugar, envolvem, em geral, montantes vultosos de investimentos que são, no linguajar dos economistas, “afundados” (isto é, uma vez efetuados, não são recuperáveis em usos alternativos). Em segundo lugar, embora os investimentos sejam feitos desde o início, as receitas de um projeto de infraestrutura são coletadas em longos períodos; em outras palavras, sua maturação é longuíssima. Em terceiro lugar, devido aos investimentos vultosos, a provisão dos serviços de infraestrutura é, em geral, associada a um monopólio natural. Há, quase sempre, um único provedor de rodovia para determinado trecho, ou uma única companhia de eletricidade em uma localidade. Como consequência, essa provisão deve ser regulada. Do contrário, existe o risco de abusos.
Essas três particularidades sugerem que, para induzir investimentos em infraestrutura, é preciso que haja, por um lado, regras claras e estáveis e, de outro, garantia de que operadores e financiadores obterão retorno financeiro adequado aos riscos a que estão expostos e compatíveis com a longa maturação dos projetos. Mas quais projetos devem ser levados a cabo? Como selecioná-los? Todo e qualquer projeto de infraestrutura merece investimento? A resposta é “não”. Como em qualquer projeto de investimento, benefícios e custos devem ser comparados. Os projetos escolhidos para concessão devem ser aqueles para os quais os benefícios gerados para a sociedade sejam maiores que o custo de oportunidade do recurso investido.
Concentremo-nos primeiro no aspecto do custo. Todo recurso pode sempre ter um uso alternativo. Os valores investidos na construção e operação de uma rodovia, por exemplo, poderiam ser empregados em investimentos em outras atividades ou aplicações. Como consequência, os recursos alocados a uma rodovia devem render ao menos o que um investimento alternativo, de risco semelhante, renderia. Esse retorno que poderia ser obtido em uso alternativo corresponde ao custo de investir na rodovia. Para que faça sentido o investimento, os benefícios proporcionados pela rodovia devem ser maiores que esse custo. Esses benefícios correspondem ao valor que os usuários da rodovia estão dispostos a pagar: são os pedágios que gerarão as receitas, que, por sua vez, comporão os retornos dos projetos. Duas lições emergem dessa reflexão: 1) os projetos de infraestrutura devem possibilitar retorno que compense financiadores e operadores pelos investimentos feitos e que teriam uso alternativo; 2) os projetos de infraestrutura devem ser chancelados pelos usuários: a medida dos benefícios viabilizados está relacionada a quanto eles estão dispostos a pagar pelos serviços. A não satisfação desses dois pontos resultará em maus investimentos, que não contribuirão para a produtividade da economia. O excesso de capacidade do Aeroporto de Viracopos, na região de Campinas (SP), talvez seja o melhor exemplo disso.
Gostaríamos que os usuários chancelassem projetos de infraestrutura, mas também desejamos as menores tarifas compatíveis com tal chancela. Queremos ainda que o governo obtenha receitas com a concessão. Como garantir modicidade tarifária e receitas para o governo? Isso pode ser feito por meio de leilões de concessão bem planejados, que induzam a entrada na disputa de um bom número de interessados, e assim haja competição. Tentar garantir a modicidade tarifária e as receitas por meio de limitação a priori da rentabilidade dos investidores acaba por ter o efeito contrário: inibe a entrada e desestimula a competição. O leilão corre o risco de ser um simples jogo de cartas marcadas.
Os investimentos, por sua vez, devem resultar em serviços de infraestrutura de qualidade para os usuários. A boa regulação é indispensável para que isso ocorra. Esta deve ser baseada em “produto” (em alguma medida objetiva de qualidade), e não em “insumos” (por exemplo, requerimentos de valores mínimos de investimento). Não menos importante, a regulação deve garantir o retorno demandado pelos operadores no estágio em que o projeto foi concedido; qualquer mudança posterior que reduza a rentabilidade corresponderá à expropriação de investimentos feitos, o que aumentará a percepção de risco regulatório e, como consequência, elevará a rentabilidade exigida pelos investidores para realizar outros projetos. Mudanças que aumentem a rentabilidade (talvez por meio de renegociações, como vemos com frequência) correspondem à transferência indevida de recursos dos usuários e do governo para operadores e financiadores, o que também gera efeito colateral perverso: estimula que, em novas concessões, competidores façam lances artificialmente agressivos nos leilões, contando com a possibilidade ou opção de renegociação a posteriori.
É possível que o Brasil consiga satisfazer todas as condições acima? Não há dúvida. Hoje investimos muito pouco em infraestrutura. As aplicações de recursos nessa área mal compensam a depreciação dos atuais portos, aeroportos, usinas, rodovias e ferrovias. Para piorar a situação, nosso estoque de capital de infraestrutura, ou seja, o investimento acumulado ao longo dos anos, é ínfimo.
Como estamos em um patamar muito baixo, o potencial de ganhos para investimento em infraestrutura é enorme. É uma oportunidade e tanto para que todos possam se beneficiar: os usuários, as empresas e o governo. Para que isso se torne realidade, deve-se partir de um arcabouço regulatório bem estruturado (com agências autônomas, independentes e capitaneadas por especialistas), regras estáveis, rentabilidade adequada para as companhias e para os financiadores, além de um nível saudável de competição nos leilões de concessão.
*Vinicius Carrasco, ex-diretor de planejamento do BNDES, é professor da PUC-Rio e economista-chefe da Stone Pagamentos, empresa de processamento de cartões de crédito e débito
Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2018, edição nº 2594