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O cara da Lava-Jato

Selton Mello lança o terceiro filme como diretor, diz como superou uma crise profissional e conta por que teve medo de estrelar uma série sobre a operação

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 18h10 - Publicado em 29 jul 2017, 06h00

AOS 44 ANOS, 35 deles atuando em frente ou atrás das câmeras, o mineiro Selton Mello trabalha quieto, mas não decepciona em serviço. E serviço é o que não falta em sua agenda atual. Nesta quinta-feira chega aos cinemas O Filme da ­Minha Vida (Brasil, 2017), seu terceiro trabalho como diretor de cinema. Na mesma trilha intimista retrô de Feliz Natal (2008) e O Palhaço (2011), o filme narra o drama de Tony (Johnny Massaro), jovem que vive a passagem para a vida adulta sob o impacto da ausência do pai (o francês Vincent Cassel). Além de dirigir, Mello faz um papel marcante no filme — uma adaptação do livro Um Pai de Cinema, do chileno Antonio Skármeta. No momento, o ator também pode ser visto como o fotógrafo em busca de conforto existencial de Soundtrack (2017), drama que é uma pérola incomum no cinema nacional: passa-se nas paisagens do Ártico e é quase todo falado em inglês. Por fim, ele está mergulhado nas gravações de O Mecanismo, série de José Padilha sobre a Operação Lava-Jato, que estreará em 2018 na Netflix. Nesta entrevista, o ator fala do novo filme, da profissão e invoca o direito de ficar longe da política — coisa que o fez ter receio de encarar o papel do ex-delegado da Polícia Federal que é herói da série sobre a Lava-Jato. “Nunca fui politizado”, diz.

O Filme da Minha Vida teve um lance raro: foi o autor da obra, o chileno Antonio Skármeta, quem o escolheu para dirigir a adaptação do livro dele para o cinema, e não o contrário. Como isso se deu? Foi inusitado. Ele ama o Brasil. Costuma visitar o país e compôs uma música com Toquinho. O apego pela nossa cultura fez com que quisesse ver sua obra adaptada por um brasileiro. Ele viu O Palhaço e percebeu que tínhamos uma sensibilidade parecida. Quando recebi o livro, pensei: era isso que eu estava procurando.

Em 2008, quando dirigiu seu primeiro filme, o senhor disse que estava em crise e pensava até em parar de atuar. Era sério? O que eu fiz em seguida? O Palhaço, que era um filme exatamente sobre um momento de crise, sobre pensar em parar. O palhaço não achava que era bom no que fazia. Questionou se tinha entrado nessa por outros motivos, pois o pai também era do circo. Foi um depoimento muito pessoal. É uma das vantagens do meu trabalho. O artista, seja qual for a área dele, tem essa capacidade rara de sublimação, de poder falar de sua vida, usar suas crises, seus sentimentos.

Tem medo de ser esquecido? Claro. Isso aflige todo ator. É uma espécie de morte em vida. Pode acontecer comigo, com qualquer um. É desrespeitosa a falta de memória do país.

Dilemas com a figura paterna foram abordados em seus três filmes como diretor. Por que a temática o atrai? É muito louco isso: a gente faz a obra, mas não pensa nesse tipo de detalhe. É coisa do inconsciente. Sou muito ligado à família. Somos afetivos, nós nos ajudamos. Logo, a família é um tema que me interessa. É sobre o que eu gosto de falar.

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Sua carreira se iniciou cedo, aos 9 anos. Como seus pais lidaram com isso? Eles fizeram muitos sacrifícios por mim e por meu irmão (o ator Danton Mello). O maior deles foi durante meu primeiro trabalho na Globo. Somos mineiros, mas fui criado em São Paulo. Aos 11 anos, a Globo me chamou. E o telefonema foi assim: o papel é para ser filho dos protagonistas, e vocês terão de se mudar para o Rio. Meus pais me perguntaram se eu realmente queria aquilo, e eu disse que sim. Então a família se mudou para o Rio por minha causa. Foi uma reviravolta grande. Fico pensando se hoje, caso eu tivesse um filho de 11 anos, mudaria tanto minha vida por um desejo dele.

Como alguém notoriamente avesso à política, o senhor teve algum receio em protagonizar uma série sobre a Lava-Jato? Fiquei com receio, sim. Nunca fui uma pessoa politizada. Política é assunto para adulto (risos). E caiu no meu colo exatamente esse trabalho. O que posso dizer é que José Padilha é um diretor que sempre me instigou. Eu tinha vontade de trabalhar com ele. E, claro, tem a Lava-­Jato. Mas a série fala de algo muito maior que a operação em si.

No debate sobre política com os amigos, quem é Selton Mello? Eu sou do tipo que não entra nessa briga. Vira um Fla-Flu muito inflamado. São raras as pessoas que conseguem olhar de forma distanciada. Estamos vivendo um momento muito delicado. Está tudo podre no reino da Dinamarca, no reino do Brasil. Não tenho lado nenhum, nunca apoiei nenhum partido ou político. Não me sinto representado por ninguém. Precisamos de uma reforma política, mas não organizada pelos próprios políticos. A série é a chance de falar sobre isso.

Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2017, edição nº 2541

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