Quando Fernando Collor foi eleito presidente, em 1989, eu já estava convencida de que ele jamais seria um bom governante. A podridão que apareceu e acabou levando ao seu impeachment três anos depois me fez desistir do país. Eu era orientadora educacional em Goiânia. Tinha dois diplomas de especialização, mas decidi deixar a profissão e viver um ano nos Estados Unidos. Queria trabalhar, aprender inglês e, sobretudo, parar de sofrer com a política brasileira.
Foi a primeira vez que me afastei dos meus filhos, que tinham 9 e 16 anos. Cheguei ao Estado de Massachusetts em dezembro de 1992. Não havia uma única folha nas árvores. Parecia que uma bomba atômica tinha arrasado o lugar. Fui acolhida por parentes, que logo me arrumaram um emprego de babá. Como não sabia falar a língua, não possuía carro e nem sequer uma carteira de habilitação, enfrentava muitas limitações. Trabalhei duro para que minha família viesse para cá. Mais tarde, comecei a fazer faxina todos os dias. Vivi como milhões de indocumentados, sob o temor constante de um dia cair nas mãos da imigração. A vida de uma pessoa nessa situação é muito restrita. Não dá para conseguir um bom emprego ou recorrer ao sistema de saúde.
Depois que me casei com um americano, regularizei a minha situação e a dos meus filhos. Abri uma empresa de limpeza e passei a prestar serviços em toda a região. Cheguei a empregar vinte pessoas em Framingham, que era então um distrito de Boston. Nos últimos anos, dei uma reduzida no tamanho do negócio, para dedicar-me ao ativismo em favor dos imigrantes e da sociedade que me acolheu. No fim de 2015, tornei-me integrante do conselho representativo do distrito. Em novembro, fui eleita vereadora de Framingham, na primeira eleição da história de nossa cidade, emancipada recentemente. Para mim, essa conquista tem um grande significado. Saí do Brasil desapontada com a política. Nos Estados Unidos, encontrei na política uma forma de realização pessoal. Quero passar uma mensagem de esperança aos demais estrangeiros que estão tendo uma vida muito mais difícil desde o início do governo do presidente Donald Trump.
Aqui, a carteira de habilitação é extremamente importante. Mais que uma permissão para dirigir, ela é o documento de identificação que todo mundo exige dentro dos Estados Unidos. As leis de Massachusetts, onde vivo, impedem a emissão da habilitação a quem não tem visto de residência. O resultado direto disso é um clima de insegurança generalizado. Quando consegue comprar um carro, o imigrante, por não possuir carteira de habilitação, não pode pagar um seguro e corre o risco de ser preso a qualquer momento. Antes de Trump, quando alguém era flagrado dirigindo sem habilitação, pagava uma multa alta e não tinha nenhum outro tipo de sanção. Desde o início de 2017, contudo, as coisas mudaram. Quando detidos nessas condições, os imigrantes estão sendo delatados à imigração e encaminhados para deportação. É um horror total, que vem tirando o sono da comunidade de estrangeiros. Agora, como vereadora, pretendo criar regras municipais que autorizem a polícia local a acionar a migração somente quando o infrator tiver ficha criminal.
Atualmente, vejo muitos brasileiros chegando a Massachusetts com o mesmo desapontamento com a política que me trouxe aqui há 25 anos. Política não é meio de vida. Eu, por exemplo, jamais deixei de ser faxineira. Continuarei com a mão na massa. Tenho alguns clientes há 24 anos. No Brasil, seria ótimo se as pessoas honestas também fizessem a opção pela política. Enquanto elas não forem maioria nos postos-chave, o país continuará desapontando seus cidadãos.
Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2018, edição nº 2564