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Caso do “Dr. Bumbum”, que tinha milhares de seguidores no Instagram, mostra que médicos e pacientes podem estar fazendo uso incorreto da propaganda digital

Por Sidney Klajner*
Atualizado em 4 jun 2024, 16h24 - Publicado em 27 jul 2018, 07h00
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  • Até meados deste mês, o médico carioca Denis Furtado poderia ser considerado uma celebridade virtual. Tinha 650 000 seguidores em sua conta no Instagram, número capaz de deixar muitos influenciadores digitais com inveja. Profissionais de formações variadas, inclusive da medicina, têm tirado proveito da facilidade oferecida pelas plataformas digitais para angariar seguidores e, dessa forma, promover ações de propaganda e marketing de produtos ou serviços que, infelizmente, nem sempre são confiáveis.

    O caso suscita o questionamento: será que nós, médicos, estamos passando dos limites nas redes sociais, exagerando na autopromoção? A carreira médica envolve aspectos que são únicos em relação às demais. Por isso, seguimos algumas diretrizes éticas que visam a proteger tanto os pacientes quanto o próprio especialista. A resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.126, de 2015, por exemplo, diz que “é vedada a publicação nas mídias sociais de autorretrato, imagens e/ou áudios que caracterizem sensacionalismo, autopromoção ou concorrência desleal”. Estabelece ainda que “a publicação por pacientes ou terceiros, de modo reiterado e/ou sistemático, de imagens mostrando o ‘antes e depois’ ou de elogios a resultados de procedimentos nas mídias sociais deve ser investigada pelos Conselhos Regionais de Medicina”.

    Hoje, essas plataformas se tornaram o grande canal de difusão de informações. E polêmicas associadas a profissionais de saúde e uso de dispositivos eletrônicos já ocorreram antes. Lembremos do caso do profissional de enfermagem que compartilhou o filme da chegada de Neymar ao hospital durante a Copa do Mundo de 2014 e, mais recentemente, da situação que envolveu a ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta em 2017, cuja tomografia foi divulgada num grupo de WhatsApp.

    “É preciso ficar atento ao que se vê, se compartilha e se curte nas redes, sobretudo quando o tema é saúde”

    O hospital do qual sou presidente, em São Paulo, tem 14 000 colaboradores e, nele, a utilização dessas mídias segue um código ético que está na nossa essência e se baseia no sigilo e na defesa da privacidade dos que estão sendo cuidados. Essa postura é reforçada por meio de campanhas internas criadas pela diretoria de Riscos e Compliance, implantada há três anos. As informações sobre nossos pacientes jamais podem ser veiculadas, ainda mais a título de marketing, promoção da organização ou do próprio corpo clínico. Portanto, o que temos como valor institucional deve ser observado com o mesmo rigor pelos nossos profissionais no Facebook, no Twitter, no Instagram, no YouTube, no Linkedin e em outras redes.

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    A atividade médica é uma ciência de meios, e não de fins. Quando um profissional divulga numa rede a comunicação de um resultado, está se comprometendo com o fim, e não com o meio. Muitas vezes, profissionais competentes fazem o melhor tratamento que existe e o desfecho se descola do que é esperado. Quando o profissional se expõe demais nas mídias, compromete-se com resultados cujo alcance não controla. Pode soar clichê, mas a medicina não é uma ciência exata, e a resposta a um procedimento pode variar de pessoa para pessoa. Daí a necessidade de ter todo o cuidado com a divulgação de tratamentos para não gerar frustração nos pacientes e descrença em relação aos médicos. Determinados posicionamentos nas redes sociais tendem a parecer venda de produtos, e a saúde não é um deles. A forma como devemos lidar com o paciente dentro e fora do ambiente da internet não muda.

    Podemos fazer uso dessas mídias para o bem do paciente e do sistema de saúde. Como? Fornecendo ao paciente informações corretas, que possam contribuir para o seu protagonismo na tomada de decisões sobre a própria saúde ou melhorar a sua interação com os especialistas. O Google fez uma parceria com a nossa organização para divulgar conteúdos sobre saúde. Quando um usuário faz uma busca para saber mais sobre uma doença, automaticamente e de maneira orgânica um quadro com nossa chancela aparece com dados confiáveis a respeito do tema. O paciente, assim, chega a uma consulta mais bem informado e tende a se engajar com maior afinco no tratamento justamente por compreender com mais propriedade o problema pelo qual está passando.

    No ambiente digital, a quantidade de curtidas não garante a veracidade daquilo que é postado em um site ou em uma página de rede social. Assim como o Einstein, universidades de grande porte e centros de pesquisa nacionais e internacionais disponibilizam em suas redes conteúdo relevante e esclarecedor. Harvard, Case Western Reserve University, MD Anderson Cancer Center e os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) nos Estados Unidos são apenas alguns exemplos. Uma das nossas funções é orientar os pacientes, inclusive no que concerne à sustentabilidade do sistema de saúde. Uma pesquisa publicada no British Medical Journal mostrou que muitos exames e procedimentos desnecessários são requisitados pelos médicos porque os pacientes assim o exigem. O diagnóstico de sinusite aguda, por exemplo, é clínico, não requer raio-X nem tomografia, até por causa do risco de exposição desnecessária à radiação. Estamos gradativamente educando o paciente para que ele entenda isso. O uso desbragado de recursos encarece custos, pode trazer riscos ao paciente e torna o sistema de saúde menos acessível.

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    Por fim, é preciso ficar atento ao que se vê, ao que se compartilha e ao que se curte nas redes sociais, sobretudo quando o assunto é saúde. Ao ver um médico em vídeos, é necessário assegurar-se da veracidade de seu registro no CRM — e checar também se o profissional é certificado nas sociedades que regem a prática de sua atividade e especialidade e se elas recomendam os procedimentos por ele propagandeados. Estruturas físicas têm necessidade de alvará de funcionamento pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Meu conselho: desconfie de resultados milagrosos. Pesquise e confira a idoneidade até de publicações científicas. Sua saúde e sua vida valem muito mais do que milhares de likes.

    * Sidney Klajner é presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e atua como cirurgião do aparelho digestivo e coloproctologista há vinte anos

    Publicado em VEJA de 1º de agosto de 2018, edição nº 2593

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