No escândalo do mensalão, os brasileiros foram apresentados ao conceito das “fábricas de propina”, cunhado pelo notório Roberto Jefferson para definir estatais e órgãos públicos que, entregues a partidos, são usados pelos políticos para gerar dinheiro, seja desviando verbas de contratos, seja vendendo facilidades a empresas que dependem de decisões de seus apadrinhados estrategicamente alojados em postos-chave da máquina. Nem mesmo instituições reconhecidas como patrimônio nacional escapam dessa lógica. As engrenagens que abasteciam os mensaleiros, por exemplo, giravam com eficiência nos Correios. De lá para cá, outras “fábricas de propina” foram descobertas, como a Petrobras, a Eletrobras e, agora, a Caixa Econômica Federal.
Sob pressão, Michel Temer afastou na semana passada quatro dos doze vice-presidentes do banco. O quarteto é suspeito de envolvimento em desvios que vão desde facilitação de financiamentos bilionários em troca de propina até recebimento de favores pessoais. O presidente tomou a decisão após o Palácio do Planalto receber duas recomendações para desalojar os executivos, todos indicados por aliados do seu governo. A primeira veio do Ministério Público Federal (MPF), mas Temer deu de ombros. Os procuradores, diante da indiferença presidencial, advertiram que, caso fossem descobertas novas irregularidades implicando os dirigentes do banco, o próprio presidente da República seria responsabilizado judicialmente. A segunda recomendação partiu de dentro do governo: em uma medida inédita, o Banco Central propôs que os executivos fossem imediatamente afastados por entender que as suspeitas punham a Caixa em risco. Diante disso, Temer mudou de ideia.
A medida atingiu os vice-presidentes Antônio Carlos Ferreira (apadrinhado pelo ex-deputado Eduardo Cunha e, depois, pelo PRB), Deusdina dos Reis Pereira (indicada pelo PR), Roberto Derziê de Sant’Anna (apontado pelos investigadores como escolha pessoal de Temer) e José Henrique da Cruz (também ligado a Eduardo Cunha e ao ex-ministro Geddel Vieira Lima). Embora tenha sido mantido no cargo, o presidente do banco, Gilberto Occhi (indicado pelo PP), também integra o rol de suspeitos.
As peças que têm permitido às autoridades mapear as ilegalidades vêm de quatro operações realizadas pelo MPF e pela Polícia Federal — em apenas uma delas, as suspeitas envolvem a liberação de financiamentos de 9,8 bilhões de reais. Em alguns casos, delações premiadas, como a do doleiro Lúcio Funaro, ajudam a montar o mosaico. Funaro apontou Temer como beneficiário de propinas pagas por empresas em troca de financiamentos da Caixa. Ele também contou que, quando era um dos vice-presidentes da Caixa, Gilberto Occhi tinha “metas de propina” estabelecidas pelo PP. Sob Temer, Occhi foi alçado à presidência do banco.
Uma investigação independente contratada pela própria Caixa torna o caso um problema ainda maior para o Planalto. Nela, Antônio Carlos Ferreira, um dos vices afastados, revelou ter procurado o então vice-presidente Michel Temer para contar que estava sendo pressionado pelo então deputado Eduardo Cunha. Em troca de mantê-lo no cargo, Cunha exigira dele que informasse todas as operações do banco acima de 50 milhões de reais — a ideia, é claro, era achacar os beneficiários antes da concretização do negócio. Temer, diz ele, limitou-se a tranquilizá-lo. Indagado por VEJA se tinha comunicado às autoridades a queixa, Temer respondeu: “Não houve crime apontado na conversa, mas apenas citações a pressões do parlamentar, que não resultaram em ilícito”. A investigação também encontrou documentos que indicam que um dos afastados, Roberto Derziê, atendeu a pedidos de Temer e do ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) para fornecer informações sigilosas sobre operações em trâmite na Caixa.
Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2018, edição nº 2566