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De volta ao jogo

Marcelo Odebrecht deixará a prisão no dia 19 e já decidiu que não quer ser coadjuvante na empresa que ajudou a expandir à custa de muita corrupção

Por Ullisses Campbell
Atualizado em 4 jun 2024, 17h11 - Publicado em 15 dez 2017, 06h00
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  • Nada mais natural que um superpoderoso empresário que tenha passado dois anos e meio encarcerado em uma cela de 12 metros quadrados sair da prisão muito diferente do que era quando entrou. Marcelo Odebrecht, que deixará nesta semana a carceragem da Polícia Federal em Curitiba para cumprir prisão domiciliar, é hoje um homem mais introspectivo e, sob alguns aspectos, mais sereno. Também não ostenta mais a empáfia que deixou transparecer, por exemplo, no dia 15 de junho de 2015, quando esbravejou à imprensa que estava “irritado” por ter sido colocado “na linha de fogo do embate político” — “nós, que geramos empregos!”, exclamou, indignado. Quatro dias depois, seria surpreendido pela Polícia Federal em sua casa e levado à carceragem de Curitiba. Permaneceu preso por 914 dias. Nesse período, ao menos uma característica Marcelo Odebrecht manteve intacta. O herdeiro condenado a dezenove anos e quatro meses de prisão, tornado delator, impedido por determinação da Justiça de comandar seu império e mesmo de pertencer aos quadros da Odebrecht por dez anos, não perdeu a ambição. Marcelo Odebrecht sai da cadeia determinado a mostrar que a prisão não o aniquilou.

    Ele descobriu, por exemplo, que no documento de 85 páginas que estabelece as condições de seu acordo de delação não há impedimento para que atue como terceirizado da Odebrecht quando se encerrar o período da prisão domiciliar, em 2020. No regime aberto, portanto, teria a possibilidade de criar uma empresa que preste serviços, inclusive, àquela da qual foi afastado. Essa é apenas uma das hipóteses que constam da carteira de planos do empreiteiro para o futuro.

    Relação desfeita – Emilio Odebrecht (na foto, com o diretor Adriano Maia) visitou o filho só quatro vezes: sem abraços
    Relação desfeita – Emilio Odebrecht (na foto, com o diretor Adriano Maia) visitou o filho só quatro vezes: sem abraços (//Reprodução)

    Marcelo Odebrecht tem outros objetivos de curto prazo. Na holding familiar, a Kieppe, ele é detentor de cerca de 5% das ações (o que lhe permite uma retirada mensal aproximada de 10 milhões de reais, incluindo rendimentos e dividendos). Para não ser deixado de escanteio no controle da Odebrecht, dado que está rompido com o pai, Emilio, começou a construir uma aliança com dois primos, Francisco Peltier de Queiroz Filho e Emilio Odebrecht Peltier de Queiroz, que, juntos, detêm cerca de 10% da Kieppe. A aliança seria uma maneira de ele manter algum poder decisório na holding familiar e, consequentemente, no conselho de administração da Odebrecht, atualmente presidido por seu pai.

    O patriarca da família, assim como a maior parte dos membros do conselho, receia que a saída de Marcelo da prisão se transforme em um “componente tóxico” para a sobrevivência da empresa, nas palavras de um interlocutor do clã. (Com a Lava-­Jato, a Odebrecht chegou a ser vista na bacia das almas pelo mercado, devido à combinação de alto endividamento — a dívida total da holding beira os 90 bilhões de reais — e dificuldade em obter crédito.) Outro temor da família é que Marcelo possa tentar influenciar diretores — suspeita que pessoas próximas ao empreiteiro negam, pelo fato de praticamente toda a sua turma de confiança ter sido afastada da empresa, como é o caso de Fernando Reis, ex­-diretor da Odebrecht Ambiental e assíduo visitante de Marcelo em Curitiba.

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    No dia 11, temendo uma reação de animosidade do mercado em relação à saída de Marcelo da prisão e sua possível influência dentro da empresa, Emilio divulgou uma nota afirmando que nenhum membro da família poderia presidir a companhia a partir de então. O timing do comunicado, uma semana antes da soltura, foi entendido pelo filho como um novo “golpe” perpetrado pelo pai. O primeiro teria ocorrido em meados de 2016, quando Marcelo, em meio às tratativas do acordo de delação coletiva comandado por Emilio, se sentiu pressionado a assumir a participação em delitos pelos quais afirma não ter responsabilidade — como o que envolve as contas operadas pela Odebrecht fora do Brasil para o pagamento de propina a ex-­diretores da Petrobras. A negativa de Marcelo em se declarar culpado nesse episódio foi o maior entrave para a conclusão do acordo coletivo, já que o Ministério Público Federal não acreditava que ex-diretores da Odebrecht, como Marcio Faria e Rogério Araújo, homens de Emilio Odebrecht na empresa, operavam contas no exterior sem o conhecimento de Marcelo.

    O episódio resultou em rompimento total da relação, que nunca foi boa, entre Marcelo e o pai. Emilio visitou o filho quatro vezes na prisão — e em nenhuma delas estiveram a sós. Na primeira, em 2015, quando estavam presos também os executivos da Odebrecht Marcio Faria, Rogério Araújo e Alexandrino Alencar, Emilio apertou a mão de cada um e disse que tiraria todos dali em breve. O filho não recebeu nem um abraço. Os três ex-diretores logo saíram da cadeia, e Marcelo ficou. O conflito com o pai afetou também a relação de Marcelo com a mãe, Regina, e a irmã, Mônica. Marcelo completou 49 anos em 18 de outubro. Nessa ocasião, recebeu a visita da mãe na carceragem pela primeira vez no ano. Desde seu rompimento com o pai, Regina havia deixado de ver o filho. A única visita semanal recebida por Marcelo é de sua mulher, Isabela.

    Há duas semanas, Marcelo pediu seu último jumbo — jargão prisional para descrever as encomendas feitas pelos detentos à família. Nele, havia três sabonetes Dove, dois tubos de creme dental Colgate e seis pacotes de frutas desidratadas. Quando deixar a prisão, ele será esperado do lado de fora por Isabela, suas três filhas e pelo advogado criminalista Nabor Bulhões, que acompanha seu caso desde o início de 2015. O grupo fará uma escala na 12ª Vara Federal de Curitiba, onde Marcelo terá instalada na perna uma tornozeleira eletrônica. Em seguida, pegará um jato particular até São Paulo. O empresário vai passar o Natal em sua casa, num condomínio no bairro do Morumbi, de onde poderá sair em ocasiões limitadas e previamente acordadas com a Justiça. Durante a prisão domiciliar, terá direito a receber parentes e até quinze amigos, cujos nomes já foram informados a Sergio Moro. Somente daqui a dois anos e meio poderá sair normalmente, prazo que pode cair para um ano se ele continuar colaborando com a Justiça. Mas, mesmo tendo de se contentar em trabalhar em seu escritório caseiro, não pretende ser esquecido: Marcelo Odebrecht sai da cadeia decidido a voltar à cena.

    Publicado em VEJA de 20 de dezembro de 2017, edição nº 2561

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