Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

Cometi uma boa loucura

Patrick Awuah, 52 anos, vencedor do prestigiado Prêmio Wise, está transformando vidas em Gana

Por Patrick Awuah
Atualizado em 4 jun 2024, 17h47 - Publicado em 1 dez 2017, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Nasci e cresci em Gana. Às vésperas de entrar na universidade, percebia com nitidez como o país estava enredado em um perverso ciclo de pobreza e escassez de valores. Para onde voltasse meu olhar no continente africano, a cena não mudava: via desordem institucional, corrupção, ineficiência, além de guerras e genocídios. Quis ir embora. Consegui vaga e bolsa em uma universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e ali estudei engenharia e economia. Fiz MBA na Universidade da Califórnia em Berkeley e arranjei emprego na Microsoft, onde escalei posições até ingressar no time que desenvolveu softwares para dar acesso à internet no celular. A Microsoft crescia mais do que o PIB de Gana. E eu virei milionário.

    Nesse tempo, visitei meu país, vi parentes e amigos, mas nunca cogitei voltar. Até que um fato novo sacudiu minhas convicções: eu me tornei pai. E aí comecei a pensar nas raízes, na distância que tomei delas e sobre o que a África significaria para meu filho, nascido em um subúrbio de classe média de Seattle. Fiquei martelando, martelando naquilo, e um dia me veio a certeza de que deveria fazer algo relevante por Gana. Sempre fui um convicto defensor de que só uma boa educação pode chacoalhar uma sociedade e livrá-­la de seus vícios. Enfim, decidi abrir uma universidade em Gana. Cheguei à Microsoft com a notícia e meus colegas me olharam perplexos. Um deles traduziu o clima geral em três palavras: “Você está louco”.

    A Universidade Ashesi, em um subúrbio de Acra, a capital do país, começou com dinheiro de doações, inclusive de gente da Microsoft, e um empréstimo do Banco Mundial. Eu mesmo botei algum capital ali. No início, em 2002, eram trinta alunos; em 2018 chegaremos a 2 000, já matriculados em áreas como administração, análise de sistemas e gestão. Dito assim, parece uma faculdade como qualquer outra. Mas tem um propósito que corre lado a lado com a excelência nas ciências que ensinamos: formar cabeças capazes de discernir o que é ético do que é antiético e de disseminar essa compreensão — isso em um país onde a corrupção está entranhada de forma atávica à cultura. Os problemas postos em sala de aula sempre remexem nesse vespeiro ao mesmo tempo em que transmitem a matéria.

    Liberdade de expressão, livre-iniciativa, gestão moderna são termos relativamente novos no vocabulário de Gana. O atraso do país, que espelha a realidade africana, é medido pelo número de pessoas que prosseguem os estudos depois do ensino médio: não mais do que 5% da população. A estatística piora quando sabemos que a qualidade não é o forte do ensino superior. Ficou claro para mim que tínhamos uma séria lacuna de gente bem preparada para liderar a tão necessária virada para a modernidade. “Formar líderes” pode soar como um clichê deste século, mas é isso que buscamos na universidade que criei: lapidar talentos que possam romper a lógica do fracasso e puxar os demais, no setor público ou no privado. Outro ponto em que bato o tempo inteiro é oferecer dentro da universidade oportunidades para que o pensamento crítico e criativo se sobreponha à visão enciclopédica do passado.

    Continua após a publicidade

    A realidade de muita gente já foi transformada, inclusive a de pessoas que jamais poderiam bancar uma boa universidade, cujos pais nem sequer pisaram na escola — esses alunos recebem bolsa. Vários ex-alunos estão fazendo carreira hoje na área financeira e na indústria de petróleo. O retorno que tenho de seus empregadores me permite acreditar que fiz uma boa escolha: eles dizem que essa turma é diferente, é inconformada e atuante. Educadores de outros países africanos vêm nos visitar, para aprender conosco. E estou sempre bebendo da fonte das pessoas que ajudaram a construir em mim um olhar de indignação. Estamos no começo, mas uma certeza eu tenho: cometi uma boa loucura.

    Depoimento a Monica Weinberg, em Doha

    Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2017, edição nº 2559

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Veja e Vote.

    A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

    OFERTA
    VEJA E VOTE

    Digital Veja e Vote
    Digital Veja e Vote

    Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

    1 Mês por 4,00

    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

    a partir de 49,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.