Nunca é demasiado relembrar o esforço retórico do presidente Jair Bolsonaro em sua luta para desmoralizar a vacinação contra a Covid-19. Em 18 de dezembro do ano passado, ele fez troça que se espalhou em memes na internet: “Na Pfizer está bem claro no contrato: ‘Nós não nos responsabilizaremos por qualquer efeito colateral’. Se você virar um jacaré, é problema de você. Não vou falar outro bicho aqui para não falar besteira”. Antes, ele já havia dito outra bobagem, ao postar nas redes sociais uma foto ao lado de seu cão de estimação: “Vacina obrigatória, só no Faísca”. Na segunda-feira 8, Bolsonaro demonstrou estar revendo seu preconceito e admitiu a relevância da vacinação: “Hoje meus irmãos decidiram aqui. Estão votando se minha mãe vai ser vacinada ou não, com 93 anos de idade. Eu já dei lá, votei lá: sim”.
Medidas preventivas do COVID-19
Que bom Bolsonaro ter finalmente mudado de ideia. Se mantiver a racionalidade e a lógica, sua nova postura fará bem a todos os brasileiros. Não há dúvida: a vacinação, associada ao distanciamento social e ao uso de máscaras, é a única ferramenta para a retomada da normalidade e do crescimento econômico. Se ainda havia alguma incerteza em relação à eficácia da vacina na queda do número de casos e mortes, uma sucessão de estatísticas começou a demolir a falsa impressão. No Reino Unido, em processo de imunização desde dezembro, os testes positivos diminuíram 37% nas duas últimas semanas. Nos Estados Unidos, com 44 milhões de doses administradas — o maior número absoluto do planeta —, os casos tiveram queda de 38% em duas semanas. Em Israel, 90% das pessoas com mais de 60 anos já receberam a primeira e segunda dose. Segundo estudo divulgado pelo sistema de saúde, de 417 000 pessoas acima de 60 anos inoculadas com às duas doses, apenas 254 tiveram Covid-19 leve, sem necessidade de atendimento médico. Mais: a vacina baixou em 41% os novos casos e em 31% as hospitalizações.
Vacinação contra o Covid 19
No Brasil, ainda não é possível estabelecer relação de causa e efeito, mas as informações são alvissareiras. Até a quarta-feira 10, o país já tinha vacinado 4 milhões de pessoas, o equivalente a 2% da população. Em números absolutos, estamos na sétima posição entre as nações que mais aplicaram doses de algum imunizante contra o novo coronavírus. Em termos proporcionais, contudo, há outros 41 países à frente na corrida pela proteção. Existe, portanto, a necessidade de planos minuciosos e rápidos de compra, preparação e aplicação — e impõe-se, mais do que nunca, a confluência de interesses do governo federal e dos estados. Um modo de fazê-los andar é olhar para Israel, o campeão, com 53% das pessoas com mais de 16 anos protegidas. Para entender em profundidade o exemplo bem-sucedido do país, VEJA pediu à repórter Daniela Kresch um detalhado relato dos passos dados pelo governo israelense, mas também dos obstáculos que ainda persistem. Daniela vive em Israel desde 2003, na cidade de Petah Tikva (“porta da esperança”, em hebraico), a 15 quilômetros de Tel-Aviv. Ela tomou a primeira dose da vacina da Pfizer em 13 de janeiro e a segunda, em 3 de fevereiro. “Foi uma emoção muito grande, uma sensação de fazer parte da história”, diz. “Estar em Israel neste momento é ainda mais emocionante, porque é como estar dentro de um estudo científico com milhões de pessoas.” As lições israelenses relatadas por Daniela estão na reportagem da pág. 50. Elas ajudam a iluminar os caminhos que precisam ser trilhados pelo Brasil.
Publicado em VEJA de 17 de fevereiro de 2021, edição nº 2725
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