Os Estados Unidos, sendo a potência inigualável que são, costumam ser vistos como um exemplo a seguir. A pujança econômica, o imbatível poderio militar e a notável experiência democrática despertam respeito e fazem do país talvez o mais admirado do planeta. Desde que o presidente Donald Trump chegou à Casa Branca, em janeiro deste ano, o cenário começou a mudar. Os EUA passaram a ser vistos com desconfiança e reserva, dado o histrionismo do eleito. Na semana passada, a situação atingiu um ponto crítico, depois que Trump se mostrou tolerante com a violência neonazista promovida por grupos de supremacistas brancos no Sul do país. Ficou claro que os Estados Unidos estão oferecendo mais um exemplo ao mundo — mas, desta vez, um exemplo a ser evitado.
No pleito presidencial, Donald Trump teve menos votos dos eleitores do que sua adversária Hillary Clinton, mas beneficiou-se das regras bizantinas do sistema americano e acabou sendo eleito. Os americanos, embora não em sua maioria, pareciam satisfeitos com o resultado das urnas: queriam alguém de fora da política, sem os “velhos vícios de Washington”, com visões inovadoras que incomodavam o centro de equilíbrio político e prenunciavam uma era de saudáveis transformações. Agora, o país está experimentando dificuldade para conter, dentro dos limites da sensatez, um presidente de inclinações radicais, posições extremistas e discurso insidioso.
Como democracia sólida, os Estados Unidos têm instituições fortes e estáveis, a começar pelo Congresso, que sempre serviu como dique poderoso para conter os devaneios presidenciais. Mesmo assim, Trump tem conseguido infligir um estrago monumental ao país e à sua imagem. “A América agora é uma nação perigosa”, chegou a escrever, na semana passada, um articulista do Financial Times, ao lembrar a troca de provocações nucleares com a Coreia do Norte, as ameaças militares contra a Venezuela e o recente namoro infame com os neonazistas de Charlottesville.
É uma lição relevante para países como o Brasil, cujas instituições parecem eternamente em construção e, portanto, ainda carecem da força estabilizadora capaz de conter excessos de um presidente. A renovação na política brasileira é uma exigência dos tempos atuais. Tornou-se uma necessidade gritante depois que veio à luz toda a podridão de Brasília, que não escolhe partidos nem ideologias. Mas é fundamental compreender que as transformações urgentes não podem ser feitas à custa do equilíbrio e da sensatez, atributos inviáveis sob o comando de aventureiros, extremistas, radicais — de qualquer partido, qualquer ideologia. Hoje, essa é a melhor lição americana.
Publicado em VEJA de 23 de agosto de 2017, edição nº 2544