Com uma canetada na terça-feira 8, o presidente americano Donald Trump retirou os Estados Unidos do acordo que limita o programa nuclear do Irã. De nada adiantaram os conselhos do francês Emmanuel Macron, da alemã Angela Merkel e da inglesa Theresa May. Com a aprovação popular em 42% (já esteve em 35%) e cercado por assessores que só o elogiam, Trump está mais à vontade para cumprir suas promessas de campanha. “Há uma coerência básica no modo de Trump tratar assuntos internacionais. Ele é um nacionalista e isolacionista, despreza as organizações internacionais e uma abordagem cooperativa para resolver os problemas mundiais”, diz o embaixador Rubens Ricupero. Na segunda-feira 14, em mais uma cartada que provocará cizânia, nova embaixada americana será inaugurada em Jerusalém, cidade disputada como capital por palestinos e judeus.
Ao abandonar o acordo com o Irã, Trump não ganhará mais apoio dos americanos. Cerca de 63% queriam que o país permanecesse no acordo, que foi costurado pelo antecessor, Barack Obama, em 2015, com outras cinco potências mundiais e o Irã. Desde então, 97% dos ingredientes necessários para fazer uma bomba nuclear foram retirados do Irã e não há evidências de que o país tenha voltado a produzi-los, apesar das alegações de Trump. Além de Trump, só o premiê israelense Benjamin Netanyahu insiste em dizer que o Irã está construindo a bomba clandestinamente. Netanyahu foi o líder estrangeiro que mais comemorou a decisão.
Uma hora depois de Trump fazer o anúncio na Casa Branca, Israel bombardeou instalações militares do Irã no sul de Damasco, na Síria. “Ao assumir uma postura de durão e de estadista, Netanyahu quer dizer para sua base política que ele é insubstituível e que seria melhor ignorar as acusações de corrupção contra ele que têm inundado o noticiário nos últimos meses”, afirma o historiador israelense Guy Laron. “Além disso, Netanyahu vem de um campo político que considera o conflito com o mundo muçulmano algo inevitável e eterno”, completa Laron. Em resposta, tropas do Irã estacionadas na Síria dispararam foguetes contra forças israelenses nas Colinas de Golã. É a primeira agressão direta dos iranianos contra israelenses que ocupam a região. Não houve mortes. Israel revidou com mais força, destruindo bases iranianas na Síria.
Se o grau de instabilidade geopolítica gerado pela canetada de Trump vai ficar ainda pior, isso é algo que dependerá da atitude dos demais países que integram o acordo. Os europeus afirmaram o desejo de manter-se no grupo. O presidente do Irã, Hassan Rouhani, num sinal de serenidade, disse que pretende dialogar com os europeus na tentativa de preservar os termos atuais do acordo, apesar da exclusão americana. Entre os argumentos que Trump usou para justificar sua decisão está o de evitar uma corrida armamentista no Oriente Médio. “Todo mundo vai querer ter a sua bomba se o Irã conseguir a dele”, afirmou. O problema do seu raciocínio é que é exatamente isso que poderá acontecer se o acordo com o Irã perder valor. O presidente Hassan Rouhani fez ameaças ao vivo na televisão estatal: “Se necessário, nós podemos começar o enriquecimento industrial (de urânio) sem nenhuma limitação”. Na quarta-feira 9, o ministro de Relações Exteriores da Arábia Saudita, Adel Jubeir, disse que seu país poderá construir uma bomba se o Irã voltar a construir a sua.
Ameaças de desenvolver uma bomba nuclear não são novas e nem sempre são levadas às últimas consequências. Trump ainda espera voltar a negociar com o Irã e obter um acordo melhor, capaz de impedir que o país se infiltre em guerras na vizinhança e teste novos mísseis balísticos. A demonstração de pulso firme com o Irã é também uma forma de preparar o terreno para seu encontro com o ditador norte-coreano Kim Jong-un, marcado para 12 de junho em Singapura. Trump quer mostrar que não aceitará nada menos que o desmantelamento completo do arsenal nuclear da Coreia do Norte. É uma manobra arriscada, pois ele corre o risco de matar um acordo e não conseguir o outro.
Trump prometeu duras sanções econômicas ao Irã — entre as quais, a revogação da autorização para a exportação de aeronaves, o que deve afetar a americana Boeing e a europeia Airbus. Empresas europeias como a petrolífera Total, que injetou 5 bilhões de dólares no Irã, e a Renault e a Peugeot, que montaram fábricas no país, temem que esses investimentos entrem em conflito com seus interesses comerciais nos Estados Unidos. A possibilidade de o Irã não conseguir mais vender petróleo fez com que o preço do barril subisse 3%. “Esse aumento eleva o valor das commodities metálicas e agrícolas, que precisam de combustível para se deslocar pelo mundo”, diz o economista Roberto Dumas Damas, do Insper. A pressão inflacionária pode fazer o banco central americano aumentar os juros mais do que o esperado. Isso motiva os investidores a migrar seu dinheiro de países emergentes para os Estados Unidos. A fuga de capitais empurra para cima o preço do dólar e diminui a perspectiva de uma redução acelerada de juros no Brasil. Outro país impactado é a Argentina, que já está sofrendo com a evasão de dólares e na semana passada precisou recorrer ao FMI (veja a reportagem neste link). Criar confusão é especialidade de Trump.
Publicado em VEJA de 16 de maio de 2018, edição nº 2582