Investigado no inquérito dos portos, o presidente Michel Temer diz que jamais beneficiou a Rodrimar, empresa suspeita de pagar propina em troca da edição de um decreto sobre o setor. A apuração do caso já rendeu dois dias de prisão a amigos do presidente, como o advogado José Yunes e o coronel João Baptista Lima Filho, mas até agora não apareceu nenhuma prova de que Temer tenha recebido dinheiro para favorecer a Rodrimar. Por isso os investigados negam qualquer troca de favores na elaboração do decreto.
Em outra frente, no entanto, são cada vez mais claros os benefícios que o governo deu à Rodrimar. O enredo pode ser resumido da seguinte forma: em janeiro de 2017, a Justiça considerou extinto o contrato do Terminal Pérola, do qual a Rodrimar é acionista, e determinou que o governo assumisse imediatamente a área explorada pela empresa e realizasse licitação para contratar um novo operador, mas nada disso foi feito.
Desconsiderando a ordem judicial, órgãos comandados pelo MDB realizaram manobras e adiamentos e prorrogações e protelações que permitiram ao Terminal Pérola (leia-se Rodrimar) continuar funcionando até hoje. Como se lerá a seguir, a história é uma crônica de três benefícios. Assinado em 1999, o contrato do Terminal Pérola com a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), a autoridade que administra o Porto de Santos, venceu em 2014. Com base numa liminar, a empresa conseguiu prorrogar a vigência de seu prazo até janeiro de 2017, quando o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) derrubou a liminar e decretou a extinção do contrato.
Deu-se, então, o primeiro benefício da gestão Temer à empresa. Apesar de a sentença mandar o poder público retomar de imediato a área no Porto de Santos, a Pérola continuou a operar sem respaldo legal por mais nove meses, graças à inação do governo. Ministro dos Transportes na época, o deputado Maurício Lessa (PR), pré-candidato ao Senado por Alagoas, admite que houve um “lapso” após a decisão do TRF3. Questionado por VEJA sobre o motivo do “lapso”, Lessa pediu um tempo para apurar as informações e não se manifestou mais até o fechamento desta edição.
Em outubro do ano passado, nove meses depois da sentença do TRF3, o governo deu um segundo benefício à empresa. Em vez de assumir a área no Porto de Santos, como determinara a Justiça, o governo fez um “contrato de transição” que garantiu à Pérola o direito de operar por mais seis meses, até abril de 2018. Segundo o Ministério dos Transportes, o contrato foi firmado para evitar a descontinuidade dos serviços portuários e para que o governo tivesse tempo de preparar a licitação da área explorada pela Pérola, tudo em conformidade com uma resolução da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
O tal “contrato de transição”, porém, desconsiderou os termos do acórdão do TRF3, que eram cristalinos: “A devolução da área pela arrendatária não causará dano ou prejuízo à continuidade de prestação do serviço público. Enquanto não finalizado o obrigatório procedimento licitatório, o poder público deve tomar para si a execução direta”. Ou seja: para que o serviço continuasse, a Justiça mandou o governo assumir, e não dar sobrevida à empresa. O Ministério dos Transportes não informou de quem partiu a ordem para fazer o contrato de transição. Numa nota a VEJA, disse que cabe à pasta apenas estruturar a licitação. Em outra, repassou à Codesp a responsabilidade do caso.
Já a Codesp declarou que o contrato de transição com o Terminal Pérola foi assinado por recomendação da Secretaria de Portos do Ministério dos Transportes. A Codesp, a Secretaria de Portos e a Antaq são comandadas por nomes indicados pelo MDB de Temer. O jogo de empurra tem razão de ser. Por determinação do ministro Bruno Dantas, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma investigação para apurar a participação de funcionários do governo em esquema destinado a protelar a licitação da área explorada pelo Terminal Pérola e, assim, favorecer a empresa. Quando o ministro Bruno Dantas se manifestou sobre o caso, em novembro passado, o Ministério dos Transportes previa que a licitação ocorreria em junho deste ano. Agora, nem data há mais. Quem se beneficia com a indefinição? O Terminal Pérola e sua acionista Rodrimar.
Na quinta-feira 12, expirou o contrato de transição com a Codesp. Deu-se, então, o terceiro benefício da gestão Temer à empresa. Já no dia seguinte, 13 de abril, a Codesp renovou por mais seis meses o contrato de transição da Pérola, agora até outubro de 2018. Pelo acerto, a empresa pagará pela operação cerca de 160 000 reais por mês à autoridade portuária — o equivalente a 2% de seu faturamento mensal médio em 2016. Excelente negócio. Os executivos da Pérola ouvidos por VEJA declararam que a empresa atua dentro da legalidade. Por meio de advogados, a Rodrimar se eximiu de qualquer responsabilidade pela prorrogação do contrato. Disse ser sócia minoritária da Pérola e que, por isso, não participa da diretoria da empresa.
Pode até não participar, mas não está alheia aos sucessos da Pérola. Em e-mail revelado em edição recente de VEJA, Antonio Celso Grecco, dono da Rodrimar, fez um comentário sobre o famoso decreto dos portos — o documento que, investiga a polícia, poderia ter sido emitido pelo governo com base em pagamento de propina. No e-mail, Grecco mostrou-se otimista sobre o futuro do Terminal Pérola depois da publicação do decreto: “Os parágrafos 2, 19 e 24 do novo decreto apoiam e fortalecem o objeto da reivindicação do Terminal Pérola na Secretaria de Portos e na Antaq”. Isso mostra que a Rodrimar não integra a diretoria da Pérola, mas acompanha seus negócios com olhos de lince. E tem estado feliz com o que vê.
Publicado em VEJA de 25 de abril de 2018, edição nº 2579