Medidas extremadas para a perda de peso são antigas e aparentemente inesgotáveis. Data do século XIX o hábito de longos jejuns para emagrecer. Com míseros 45 quilos, Sissi, a imperatriz da Áustria (1837-1898), recusava-se a comer caso sua cintura passasse de 50 centímetros. De lá para cá, na guerra contra a balança, proliferaram as dietas radicalíssimas (só proteínas, só líquidos, só frutas, só comida em pó…) e o mau uso de medicamentos emagrecedores, muitos deles adotados sem prescrição médica. A novidade, ruim e perigosa: o uso de hormônios da tireoide como recurso dietético. Não se sabe exatamente quantas mulheres estão adotando a prática no Brasil. Na semana passada, porém, VEJA consultou dezoito médicos, entre endocrinologistas e infectologistas, de São Paulo e do Rio de Janeiro, e todos, sem exceção, confirmaram a tendência. “No cotidiano dos consultórios, percebemos um aumento de pedidos de hormônios usados indevidamente para perder peso”, diz o endocrinologista Fábio Trujilho, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).
A princípio, a ideia faz todo o sentido. A tireoide, uma das glândulas mais importantes do corpo humano, está localizada na parte anterior do pescoço, logo abaixo do pomo de adão, o popular gogó. Uma de suas funções primordiais é fabricar dois hormônios, o T3 e o T4, que participam da regulação do metabolismo. Eles incitam o sistema nervoso a estimular a fabricação de noradrenalina e adrenalina, compostos que aumentam o consumo de oxigênio celular. Isso faz com que as células gastem energia. O desequilíbrio nesse mecanismo tireoidiano é causa de doenças. O hipotireoidismo, por exemplo, configura-se pela produção desses hormônios abaixo do normal, e requer o consumo de doses extras, na forma sintética, de T3 e T4. A ingestão excessiva dessas substâncias emagrece porque ativa a queima de energia.
Calcula-se que o T3 e o T4 aumentem em 40% o metabolismo basal, aquele necessário para o organismo manter as funções básicas, como os batimentos cardíacos, a temperatura do corpo, o consumo de oxigênio e o funcionamento dos rins. Para efeito de comparação: o estímulo proporcionado pela atividade física moderada é de cerca de 30%.
Há relatos de usuárias que perderam 5 quilos, em média, ao longo de um ano. No entanto, em mulheres saudáveis, esse emagrecimento carrega um pacote nocivo. “Um dos principais efeitos ruins das doses extras é o impacto no coração, órgão sensível à ação hormonal”, diz a endocrinologista Maria Edna de Melo, diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Os hormônios aceleram o funcionamento cardíaco. Pode haver arritmia e insuficiência cardíaca. O T3 e o T4 são vendidos na farmácia e na forma manipulada. A gerente de marketing Claudia Cardoso, de 43 anos, consumiu hormônios da tireoide ao longo de um ano. Emagreceu os tais 5 quilos previstos. Nesse período, sofreu com forte taquicardia e tremor nas mãos. Parou há dois meses porque engravidou. “Os sintomas me assustaram muito. Hoje não me arriscaria mais.”
O mais completo e recente levantamento realizado pelo Ministério da Saúde revelou que metade dos adultos tem sobrepeso no país — um terço deles são obesos. A obesidade cresceu 60% em dez anos. Pior ainda: três em cada dez gordinhos não conseguem voltar à boa forma apenas com mudanças no estilo de vida, com alimentação adequada e corte do sedentarismo. Eles precisam de medicamentos. O excesso de peso é um dos principais fatores de risco para doenças graves. Aumenta em três vezes o risco de diabetes do tipo 2. Em um mundo onde não existissem pessoas acima do peso, o índice de infartos e de derrames seria 20% menor. Diz Claudia Cozer, coordenadora do núcleo de obesidade do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo: “O uso de hormônios sem comprovação científica para o emagrecimento pode trazer prejuízos até maiores”.
Publicado em VEJA de 23 de agosto de 2017, edição nº 2544