A Colômbia passou com tranquilidade pelo teste de sua primeira jornada eleitoral após a entrega de armas das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), agora transformadas em partido político. O próximo presidente será Iván Duque, do Centro Democrático, o mesmo partido de direita do ex-mandatário Álvaro Uribe. Apoiado pelos empresários, Duque deve manter as políticas econômicas liberais que têm garantido um crescimento anual médio de 3,5% na última década. O acordo de paz assinado com as Farc pelo atual presidente, Juan Manuel Santos, não será abolido — ao contrário do que se temia, pois Uribe foi contra o acerto —, e os ex-guerrilheiros não ameaçam sair do jogo. Além disso, o país, tradicionalmente governado pela direita, terá pela primeira vez no Congresso uma oposição consolidada de esquerda, que será liderada pelo candidato derrotado a presidente Gustavo Petro (lei de 2017 garante uma vaga de senador para o segundo colocado). Sem a sombra da guerra, durante a qual costumava ser associada à guerrilha, a esquerda começa a ter participação maior na democracia. “É um processo que acontece com atraso na Colômbia”, diz a socióloga colombiana Maria Elena Rodriguez, da PUC do Rio de Janeiro.
Depois de atacar duramente o acordo com as Farc no início da campanha, Iván Duque recuou e assumiu uma posição mais amena no segundo turno, que aconteceu no domingo 17. O que ele promete agora é corrigir alguns pontos do acordo.
A grande bandeira de Duque é evitar que os ex-guerrilheiros fiquem impunes. Entre as medidas mais prováveis que ele pode adotar está fazer um acordo com a promotoria para processá-los na Justiça comum. Se essa estratégia não vingar, Duque pode tentar incluir na regulamentação da Jurisdição Especial para a Paz (JEP), um tribunal criado exclusivamente para julgar os ex-terroristas, regras que impeçam os líderes condenados por crimes graves de ocupar cargos no Congresso e permitam a extradição daqueles que estiveram envolvidos com tráfico de drogas. É o caso de Jesús Santrich, um integrante do partido Farc preso em abril sob a acusação de tentar enviar 10 toneladas de cocaína aos Estados Unidos. Santrich está entre os dez ex-guerrilheiros que ganharam uma vaga no Congresso, em votação realizada em março.
Nos pontos em que não depende de outros poderes, como o Judiciário, Duque terá mais autonomia para adotar políticas que alteram medidas previstas no acordo. Ele poderá, por exemplo, retomar as fumigações aéreas com glifosato para eliminar as plantações de coca. O procedimento foi suspenso em 2015, durante as negociações de paz em Havana. Também poderá ordenar a erradicação manual das plantações e anular as compensações aos produtores que trocam a coca por outras culturas. Como o governo atual prometeu esse benefício aos agricultores, muitos semearam coca apenas para receber o dinheiro. Resultado: a produção de cocaína atingiu o auge em 2017.
Nas questões que dependem do Legislativo, Duque contará com uma folgada maioria, de 70% das cadeiras. Mas, como já foi dito, será um Congresso diferente dos anteriores, com presença mais ostensiva de partidos de esquerda. Na Colômbia, essas legendas nunca foram muito representativas. A esquerda moderada era atacada com violência pelos grupos paramilitares, enquanto a radical era vinculada às atrocidades cometidas pelas Farc. Mais recentemente, os radicais passaram a ser associados ao venezuelano Hugo Chávez. Não é por acaso que Gustavo Petro, candidato da esquerda, teve seu pior desempenho nas regiões próximas à Venezuela. Mas Petro está longe de ser um radical mesmo em questões econômicas. “Petro é mais um social-democrata, que apoia energias renováveis e as causas dos direitos humanos”, diz o historiador Sergio Guarín, da Fundação Ideas para la Paz, na Colômbia. Com o estabelecimento de um maior equilíbrio entre direita e esquerda, a democracia colombiana continua dando passos rumo à maturidade.
Publicado em VEJA de 27 de junho de 2018, edição nº 2588