Diante das dificuldades de distribuição da revista decorrentes da greve dos caminhoneiros, VEJA, em respeito aos seus assinantes, está abrindo seu conteúdo integral on-line.
Internada havia dois meses no quarto 318 da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital 9 de Julho, em São Paulo, devido ao agravamento de um câncer no estômago, a modelo e influenciadora digital Nara Almeida acordou com a pele dolorida e avermelhada. A dermatite era efeito colateral do excesso de morfina para amenizar as dores. Nara pegou o celular, fotografou e compartilhou seu momento de dor em sua conta no Instagram. “Eu só peço a Deus misericórdia, porque não tá fácil passar por isso”, escreveu na legenda do post publicado em 13 de abril. A foto recebeu 935 000 curtidas. Uma multidão de seguidores fez companhia a Nara Almeida, uma menina linda e graciosa, até o momento em que a doença a venceu, na semana passada, aos 24 anos.
Nara recebeu o diagnóstico do tumor raro em agosto de 2017, após sucessivas crises de gastrite e idas ao médico. Na época, como divulgadora de moda, já era quase uma celebridade: somava 400 000 seguidores no Instagram. O número foi se multiplicando sem parar desde então, alimentado pelas constantes fotos e notícias sobre o tratamento contra o câncer. Sensibilizadas, as pessoas reagiam com carinho e apoio a cada novo post. Nara, por sua vez, sentia-se acolhida e amada em um momento de extrema fragilidade. “As mensagens me fazem companhia. Nunca me senti sozinha”, disse em dezembro passado.
Evidentemente, tamanha exposição também foi alvo de críticas e mal-entendidos. Antes de iniciar as sessões de quimioterapia, Nara resolveu ver o mar, já que poderia ser a última vez que pisaria na areia — e foi mesmo. Havia emagrecido muito e usava uma sonda na narina esquerda para receber um complexo de vitaminas. Vendo as fotos e ignorando a doença, muitas seguidoras perguntaram que dieta ela andava fazendo para alcançar aquele corpo — a própria Nara condenou os elogios descabidos. “Os jovens estão acostumados a dividir cada passo que dão”, avalia Fernando Fernandes, psiquiatra do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Eles enxergam como natural expor um momento de dor, sentem-se amparados e integrados com o mundo.”
À medida que a doença avançava, a casa de Nara virava uma espécie de santuário, para onde fãs mandavam imagens de santos, terços, perucas e outros presentes. Famosos como Adriane Galisteu, Tata Werneck e a modelo Lea T enviaram mensagens de apoio. O jogador Alexandre Pato arcou com as despesas da droga imunoglobulina: pagou 36 000 reais por duas doses do remédio, destinado a tentar fortalecer o sistema imunológico da paciente.
A trajetória de Nara Almeida passa longe do mundo de glamour das blogueiras de moda. Ela nasceu em João Lisboa, cidade maranhense de 20 000 habitantes a 637 quilômetros de São Luís. Sua mãe, Eva Maria, então empregada doméstica, deu a filha aos avós, quando ela tinha 1 ano e 2 meses, e foi tentar vida nova em Roraima. Na adolescência, Nara se mudou para Goiânia, onde passou fome e trabalhou como faxineira antes de começar a vender roupas pela internet, usando a si própria como garota-propaganda. Bonita e despachada, viu o negócio crescer, obteve contratos com confecções de São Paulo e decidiu mudar-se para a cidade. A doença apareceu justamente nessa fase, quando Nara estava faturando 30 000 reais por mês.
Em paralelo à comoção nas redes sociais, a modelo vivenciou experiências marcantes no mundo real. Sua mãe soube do câncer da filha pelo Instagram. Largou o emprego de cabeleireira, o marido e dois filhos e viajou de Roraima para São Paulo. “Deus me deu uma chance de me redimir”, diz ela, que dormiu noventa noites no hospital. Revezava-se no posto de acompanhante com o namorado da filha, o engenheiro Pedro Rocha, presente a todo momento. Nara e Pedro se casaram no civil em janeiro, para que ela pudesse usufruir os benefícios do plano de saúde dele. No último dia 16, Nara, que tinha uma tatuagem no pulso com a frase “Don’t forget to smile” (não se esqueça de sorrir), pediu para dormir. Não suportava mais as dores fortes. Foi sedada, e não acordou mais. Morreu na madrugada da segunda 21, dois dias depois de completar um ano de namoro com Pedro. Pesava 33 quilos e somava 4,6 milhões de seguidores.
Publicado em VEJA de 30 de maio de 2018, edição nº 2584