Uma pesquisa realizada em 2011 pela Universidade Stanford, na Califórnia (EUA) — no coração do Vale do Silício, o principal polo tecnológico do planeta —, com os 100 mais respeitados especialistas da área, fez inicialmente duas perguntas aos cientistas: “Quando a inteligência da máquina vai se equiparar à humana?” e “Quando vai superá-la?”. Na resposta, os estudiosos sugeriram que seria de 10% a probabilidade de robôs se igualarem ao nosso intelecto já em 2024; de 50%, em 2050; e de 90%, até 2070. E de 10% a chance de nos ultrapassarem em dois anos após empatar conosco, e de 75% que isso ocorresse no prazo de trinta anos seguidos do primeiro feito. O que o levantamento pretendia radiografar era quando a inteligência artificial (IA) desenvolveria aquilo que os pesquisadores chamam de “superinteligência”. A questão seguinte era esta: “Qual seria o impacto dessa superinteligência?”. Em torno de metade dos experts concordou que a mudança proporcionada pela tecnologia poderia se provar majoritariamente positiva. Entretanto, a outra metade foi assertiva: haveria consequências negativas, eventualmente até catastróficas. Seis anos depois do trabalho da Universidade Stanford, a questão permanece insolúvel. Temos mesmo de temer a IA, da forma como é exibida em clássicos da ficção científica, como o filme O Exterminador do Futuro, do canadense James Cameron, no qual humanos e máquinas entram em guerra pelo domínio da Terra?
Hoje, softwares são (muito) melhores que o homem na realização de tarefas matemáticas específicas. Exemplo: ao se digitar “Brasil” no google.com.br aparece, em 1,01 segundo, 1,81 bilhão de resultados — incluindo um resumo com características do país, como tamanho da população e do território, uma compilação de atrações turísticas, uma lista dos Estados nacionais e outra de tipos de busca que pessoas que também procuraram por “Brasil” costumam realizar. Jamais um humano conseguiria fazer uma pesquisa com tamanha eficácia. Assim como não poderíamos competir com a IA em tarefas como calcular rotas de um foguete espacial ou organizar a produção de uma fábrica.
Em agosto deste ano, as máquinas cumpriram um feito extraordinário; e se um dia elas chegarem a pensar e a ter memória afetiva, de fato, será um marco da história dos robôs: uma delas venceu, pela primeira vez, o campeão de Dota 2, um sofisticado videogame de estratégia. Parece pouco? Observou o empreendedor sul-africano Elon Musk, fundador de empresas do ramo, como a Tesla (de carros, incluindo autônomos) e a SpaceX (de exploração espacial), e um dos financiadores da OpenAI, organização que desenvolveu a máquina jogadora que massacrou o craque humano e cuja missão é justamente discutir e impor limites às tecnologias dessa categoria: “É muito mais complexo vencer uma competição de e-sports (termo que define as disputas profissionais de games) do que uma de tradicionais jogos de tabuleiro, como xadrez e go”. Isso porque o Dota 2 simula situações parecidas com as de guerras reais. As capacidades lógicas necessárias para se dar bem no game também se assemelham às desenvolvidas por militares. Em outras palavras, ao superar um campeão de Dota 2 fica claro que a IA pode se transformar em uma estrategista (muito) melhor do que nós, seres humanos.
Isso já não ocorreu? O intelecto robótico já não é superior ao nosso? Não — ao menos no que ostentamos de mais humano, demasiado humano. “As máquinas ainda não são criativas, emotivas e versáteis como nós. Só que falta pouco para isso. Temos de nos acostumar a conversar, pela primeira vez na história, com outro ser inteligente e, em breve, possivelmente ciente da própria existência”, ponderou a VEJA o cientista da computação americano Daniel Wilson. Além de doutor em robótica pela americana Universidade Carnegie Mellon, uma das referências mundiais de seu campo, Wilson é escritor de ficção científica. Mas não de obras sem pé na realidade. Em seu livro mais famoso, Robopocalypse, best-seller nos EUA — que deve virar um longa produzido por Steven Spielberg — e recém-lançado no Brasil pela Editora Record, ele narra como tecnologias que já existem se voltam contra a humanidade quando a primeira superinteligência artificial acaba assumindo o controle de todas elas.
“Na história, é claro que forço a barra; não creio que vá existir um apocalipse promovido por robôs”, brinca Wilson. “Contudo, temos de ter medo, sim, da IA. De como, por exemplo, ela afetará nossa mente — e tenho certeza de que haverá seres humanos que se apaixonarão por ela — e nos substituirá em tarefas diárias, dando início a ondas de desemprego”, pondera, desta vez a sério.
A organização inglesa Nesta, que apoia projetos de inovação na Europa, estima que, nas próximas décadas, 70% das atuais profissões serão desempenhadas por robôs. O que sobraria para as pessoas, nos 30% restantes? Trabalhos que exijam capacidades lúdicas, emotivas, de análise, que, em teoria, ainda são exclusivamente humanas. Na lista: arte, liderança e, suprema ironia, desenvolvimento de novas IAs! Mas será que um dia os robôs não nos suplantarão até nesses talentos? Essa é a discussão levantada pelo historiador israelense e autor best-seller Yuval Noah Harari, tido como um dos maiores pensadores contemporâneos desse assunto, no artigo das páginas que vêm a seguir.
Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2017, edição nº 2549