Presidentes têm mais que fazer do que fiscalizar a postura dos cidadãos durante o hino nacional. Ao menos é o que se espera de presidentes sérios. Donald Trump, dos Estados Unidos, tem muito que fazer. Na semana passada, por exemplo, ele poderia ter lutado para evitar a derrota definitiva do seu plano de enterrar o Obamacare, o sistema de saúde criado por seu antecessor, ou se preparado para apresentar ao Congresso um ambicioso corte de impostos, ou respondido com mais determinação aos efeitos devastadores de um furacão em Porto Rico, território americano no Caribe. Trump, porém, estava mais preocupado com a existência de jogadores de futebol americano negros que, em vez de se manter de pé, se ajoelham durante a execução de The Star-Spangled Banner (A Bandeira Estrelada) para protestar contra o racismo no país. “Tire aquele filho da p… do campo agora, fora, ele está demitido.” Assim, com essas palavras e sem reticências, Trump definiu, em discurso na sexta-feira 22, como deveriam ser tratados os atletas que “desrespeitam” o hino e a bandeira. No dia seguinte, repetiu o desatino no Twitter. O efeito foi o oposto do esperado. Em quase todas as partidas de domingo da Liga Nacional de Futebol Americano, jogadores ajoelharam-se, deram-se os braços ou nem sequer entraram em campo durante o hino. Até donos de times que apoiam Trump juntaram-se ao desagravo ao que consideraram um ataque presidencial à liberdade de expressão. Um líder que se dedica a fiscalizar cidadãos durante a execução do hino pode ser levado a sério?
Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2017, edição nº2550