Os tucanos finalmente avançaram algumas casas no tabuleiro. Na semana passada, a briga pela presidência do PSDB chegou ao fim. O governador Geraldo Alckmin será o chefe do partido e com isso se encerra a luta fratricida que se desenrolava havia quatro meses entre as alas dos senadores Tasso Jereissati e Aécio Neves. Com o acordo, uma segunda e mais importante disputa — essa pelo posto de candidato da sigla à Presidência da República — também fica praticamente liquidada. Na condição de comandante e “pacificador” do partido (além, claro, de deter a chave do cofre da legenda), Alckmin passa a ser “o” nome do PSDB para as eleições presidenciais de 2018. Já havia contribuído para essa definição a desidratação do prefeito João Doria, que agora se dará por satisfeito se conseguir a indicação para a vaga de candidato do partido ao governo de São Paulo. Por último, mas não menos importante, a terceira boa notícia da semana para os tucanos foi o anúncio feito por Luciano Huck. O apresentador da Globo garantiu que não mais será o que nunca chegou a ser de fato: candidato ao Palácio do Planalto e, nessa condição, ocupante da mesma raia de centro em que os tucanos pretendem bater suas asas no ano que vem. Bons para o conjunto do partido, os três eventos, vistos de outra forma, apontam para uma vitória individual — a de Geraldo Alckmin.
O governador de São Paulo é hoje praticamente o único ponto de intersecção numa sigla que nos últimos seis meses esteve em desacordo sobre tudo — da permanência na base do governo à reforma da Previdência, passando pelo teor de seu programa partidário e pelo tipo de punição devida ao senador Aécio Neves, flagrado achacando o empresário Joesley Batista (o partido não voltou a falar na sua expulsão nem mesmo na terça-feira, quando o site G1 revelou que o mineiro tinha o hábito de usar celulares em nome de laranjas para poder conversar mais à vontade, uma prática periclitante que em nada enobrece um senador da República).
Alckmin pode ser a última cartada de um partido que, três anos depois de ter chegado perto de assumir a Presidência, viu seu quase vitorioso candidato ser pulverizado pela Lava-Jato, o que incinerou seu vistoso patrimônio de 51 milhões de votos. De junho de 2015 a junho deste ano, a popularidade do PSDB, que nunca foi grande coisa, ainda caiu pela metade: foi de 9% para 5%, segundo o instituto Ipsos. Discordâncias internas e mesmo “fogo amigo” são práticas comuns à política, e, no caso do PSDB, questões bem mais graves que essas contribuíram para levar o partido à atual situação. Ainda assim, chama atenção o especial fascínio que os tucanos têm pela disputa interna. Um exemplo: enquanto a refrega entre os grupos de Tasso Jereissati e Aécio Neves atingia a temperatura máxima, e nem bem haviam esfriado as cinzas da briga entre Geraldo Alckmin e João Doria pela vaga de candidato em 2018, o ex-governador José Serra ameaçou jogar seu graveto na fogueira. Para espanto geral, procurou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para reclamar do apoio que ele vinha demonstrando à pré-candidatura de Alckmin. Serra deu a entender que, mesmo invisível nas pesquisas e com a Lava-Jato nos calcanhares, esperava ter seu nome lembrado para concorrer novamente à Presidência.
OS SETE TUCANÕES E A ELEIÇÃO
O temor generalizado de que o PSDB chegasse rachado à convenção de 9 de dezembro — e o custo eleitoral que isso representaria para o partido — acabou apaziguando os litigantes, convencidos por FHC a ceder aqui e ali. Na segunda-feira 27, no Palácio dos Bandeirantes, unido em torno de um jantar frugal com o anfitrião, um grupo de grão-tucanos comandado por FHC aceitou selar a paz. Iniciado pontualmente às 20h30, às 22 horas o jantar já havia terminado.
Os impasses mais urgentes, portanto, estão resolvidos. Agora os tucanos podem começar a respirar aflitos. Sabem que, em relação a 2018, os problemas mal começaram. Tome-se o entusiasmo do eleitorado. Desde que surgiram as primeiras pesquisas, Alckmin não sai da lanterna. Até hoje não ultrapassou a barreira dos 8% — muito longe da liderança de Lula, Jair Bolsonaro e Marina Silva, que cravaram 35%, 15% e 11% no último levantamento do Ibope. A interlocutores próximos, o governador diz não estar preocupado com os números. Costuma valer-se do exemplo de João Doria, que ostentava um porcentual de um dígito a poucos dias da eleição para prefeito de São Paulo e acabou ganhando no primeiro turno. Alckmin atribui a vitória de Doria à grande coligação que conseguiu costurar em torno do prefeito, o que garantiu ao seu então afilhado político vinte preciosos minutos diários no horário eleitoral.
O cientista político Carlos Pereira, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e autor do livro Making Brazil Work: Checking the President in a Multiparty System, acha que a situação de Alckmin no ranking dos presidenciáveis vai mudar em breve. “É muito difícil que uma candidatura radical, de esquerda ou de direita, mas sem estrutura partidária nacional, tenha sucesso num pleito presidencial”, afirma. “No caso de Jair Bolsonaro, não há base social para que ele cresça. No caso de Lula, apesar de existir uma base, há a condenação na Justiça. O eleitor que hoje está sensível a um discurso mais radical tende a migrar para o centro tão logo perceba que não há viabilidade eleitoral nos extremos”, diz. Nesse aspecto, Pereira avalia que Alckmin está bem posicionado por dispor de um leque de feitos públicos a apresentar em uma eleição e pelo fato de não ter sido, pelo menos até agora, alvejado na testa pela Operação Lava-Jato: “Há um equívoco em curso sobre o eleitor brasileiro estar em busca do novo. Ele não quer o novo. Ele quer o limpo. Se Alckmin provar que é limpo, não haverá muitos obstáculos à sua vitória”. O Superior Tribunal de Justiça recebeu no último dia 22 o pedido de instauração de inquérito para investigar o governador pelo pagamento de 10,7 milhões de reais feito pela Odebrecht a suas campanhas de 2010 e 2014. O pedido, sob segredo de Justiça, está nas mãos da ministra-relatora Nancy Andrighi, que ainda não decidiu se autoriza a abertura do inquérito.
Geraldo Alckmin é hoje praticamente o único ponto de intersecção numa sigla que passou os últimos seis meses em desacordo sobre tudo
Tão logo a hipótese de que Alckmin assumiria a presidência do PSDB ganhou consistência, o governador começou a receber pressões vindas do Palácio do Planalto para que defendesse abertamente o desembarque tucano do governo — o núcleo duro de Michel Temer está ávido pela saída da sigla porque tem a necessidade de saciar a sede da base governista com ministérios em troca de apoio para que seja aprovada a reforma da Previdência. Caso Alckmin não se empenhasse nesse sentido, poderia esquecer a ideia de uma grande coligação de centro com o PMDB em 2018. Outra indireta que chegou aos ouvidos do tucano foi que, no ano que vem, o PMDB só apoiaria um candidato que não renegasse o legado econômico de Michel Temer — e, sim, que o abraçasse. Não há notícia de que o governador tenha desapontado o PMDB até o momento, mas a postura de Alckmin vem causando frustração na ala do PSDB que anda afoita por renovação. Pode nascer daí outra discórdia tucana.
Os cabeças-pretas, apelido dos mudancistas, veem com ceticismo a possibilidade de Alckmin empreender transformações que distanciem o partido das práticas fisiológicas do PMDB. Nesse núcleo também paira a frustração com as movimentações de FHC, que são vistas como mais alinhadas a arranjos de conveniência partidária do que a uma real intenção de resgatar a imagem da sigla. Os cabeças-pretas, além de rejeitar esses movimentos, consideram-nos desnecessários. Um deles lembra a primeira eleição de FHC, em 1994. Na ocasião, o então candidato tomou a dianteira na disputa sem uma grande coligação, apenas com uma boa plataforma de campanha mais o ativo do Plano Real. Esse grupo acredita que, se uma candidatura se fortalecer ao longo de 2018, os partidos acabarão se aglutinando em torno dela, sem que seja preciso empenhar cargos da Esplanada em nome de um acréscimo nos minutos de TV. Tasso Jereissati, contudo, diz estar esperançoso nas boas intenções do governador. “Temos um arranhão gigantesco na imagem do partido. Se não conseguirmos limpar isso, nossos problemas vão continuar, apesar de eu confiar nas habilidades do governador para resolvê-los”, diz o senador, que nega qualquer intenção de entrar na disputa pelo Planalto.
No aspecto da imagem, o PSDB e Geraldo Alckmin terão de fazer um cálculo minucioso de custo-benefício antes de se associar com partidos da base governista em 2018, na avaliação do cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências. “De um lado, ao costurarem uma grande coligação, os tucanos controlam a oferta de novos candidatos de centro e reduzem a fragmentação. De outro, associam-se a um conjunto de líderes com baixíssima popularidade, sendo que o partido já se desgastou o suficiente com o caso Aécio Neves”, afirma Cortez.
Sinal de que a paz entre os tucanos não tem espessura maior que a do verniz foi a apresentação das diretrizes econômicas que deverão ser seguidas pelo partido no próximo governo. Ao lançamento do documento, na terça-feira, estiveram presentes o ministro Aloysio Nunes, os senadores Aécio Neves e José Serra e o ex-senador José Aníbal. A fatia da bancada de senadores contrária a Aécio não foi convidada. Fernando Henrique Cardoso nem sequer sabia da divulgação da papelada. Na terça-feira à tarde, a poucos metros dali, na Câmara dos Deputados, o mesmo partido que ditava regras econômicas para 2018 não conseguia nem mesmo chegar a um consenso sobre o apoio à reforma da Previdência. Com isso, jogou por terra o discurso de que o PSDB sairia do governo, mas votaria a favor das reformas — até agora, o partido não fez nem uma coisa nem outra. Sem um acordo com o PSDB, o governo não terá êxito na aprovação do que restou da reforma.
Em vez de sair do governo “pela porta da frente”, o PSDB corre o risco de ser educadamente convidado a se retirar — pela porta dos fundos
O tucano Bruno Araújo, ex-ministro das Cidades, desembarcou do governo no início do mês, abrindo espaço em uma pasta de orçamento de 10 bilhões de reais para o PP. Antônio Imbassahy, ministro da articulação do governo, será o próximo — e deve ser substituído pelo deputado Carlos Marun, o derradeiro defensor de Eduardo Cunha. O único tucano a ficar na Esplanada, pois dali não quer sair nem amarrado, é o chanceler Aloysio Nunes. Ele está prestes a ganhar o cargo de embaixador em Paris. Para isso terá de se comprometer a ficar no governo durante todo o ano de 2018 — o que, para Nunes, é um bálsamo. Sua mulher apaixonou-se pela vida diplomática e não quer que o marido a troque pela pasmaceira do Senado.
Com tamanhas demonstrações de grandeza e desapego, são praticamente nulas as chances de o PSDB sair do governo pela porta da frente, como vaticinou Aécio Neves. Muito mais provável é que acabe sendo educadamente convidado a sair — e pela porta dos fundos. O PSDB que elegeu e reelegeu um presidente da República e chegou ao segundo turno em todos os pleitos presidenciais seguintes hoje saca o candidato que sobrou para tentar escapar da derrocada. Deve lembrar que há males piores que a derrota. Mais que triste, o fim pode ser também ridículo.
Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2017, edição nº 2559