O ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel (PSC) presta depoimento à CPI da Pandemia nesta quarta-feira, 16. Os requerimentos para a convocação do político foram feitos pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Witzel foi beneficiado por um habeas corpus do ministro do STF, Nunes Marques, para não comparecer à sessão. Mesmo assim, foi à audiência. O ex-governador, no entanto, usou o habeas corpus para deixar a CPI mais cedo, durante questionamentos de senadores governistas. A sessão foi encerrada em seguida.
Witzel é réu em processo que apura corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O ex-governador do Rio foi denunciado em um desdobramento da Operação Lava Jato, que apontou desvio de recursos na área da Saúde de sua gestão durante a pandemia. A suspeita é de que o ex-juiz federal tenha recebido, por intermédio do escritório de advocacia da esposa, Helena Witzel, pelo menos 554,2 mil reais em propina. O casal sempre negou irregularidades.
O depoimento
No início da fala, Witzel prestou solidariedade aos mortos por Covid-19 e lamentou a “triste realidade do país”. Ele ressaltou que os governadores tomaram todas as medidas de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo Witzel, os gestores estaduais pediram “diversas vezes”, “suplicando”, para serem atendidos pelo presidente Jair Bolsonaro para encontrarem “soluções em conjunto” no combate à pandemia. “Governadores e prefeitos ficaram desamparados pelo governo federal”, declarou.
Posteriormente, Witzel passou a atacar Bolsonaro, como já era esperado. O ex-governador chamou o presidente de negacionista e disse que ele quer “politizar” a pandemia. Witzel elogiou governadores, defendeu a vacinação e culpou o governo federal pela falta de imunizantes. Para ele, Bolsonaro e seus aliados criaram uma “narrativa pensada” para pôr os governadores “em situação fragilizada”.
Na sequência, o ex-governador negou desvio de dinheiro na pandemia. “Quero saber quem financiou o meu impeachment”, afirmou, além de criticar acordos de delação premiada que culminaram em sua cassação. “A delação hoje é o pau de arara moderno”, disse, mostrando um calhamaço de papel com as delações premiadas sobre seu caso, como a do secretário de saúde de sua gestão, Edmar Santos. O ex-juiz salientou que foi submetido a um “tribunal de exceção”. Ao negar práticas de corrupção, o ex-juiz também pediu para os integrantes da CPI levarem em conta as análises de valores do mercado internacional para a compra de equipamentos, como respiradores.
Ex-aliado de Bolsonaro, Witzel afirmou ainda que começou a ser perseguido durante as investigações do assassinato da vereadora do Rio, Marielle Franco (PSOL), e do motorista dela, Anderson Gomes, em 14 de março de 2018. O policial militar reformado Ronnie Lessa foi apontado pela Polícia Civil como autor dos tiros que mataram as vítimas. Lessa era vizinho do presidente no condomínio Vivendas das Barra, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste da capital. “Quem sabe o mandante do caso Marielle será descoberto”, disse o ex-governador do Rio. “Tudo isso começou por que eu mandei investigar sem parcialidade o caso Marielle”, declarou.
Na campanha eleitoral de 2018, Witzel estava em cima de um carro-de-som ao lado do então candidato a deputado estadual no Rio, Rodrigo Amorim (PSL), que quebrou uma placa em homenagem a Marielle. Witzel e Bolsonaro romperam depois que o ex-governador declarou publicamente o interesse em também concorrer à Presidência da República, em 2022.
Bate-boca com Flávio
Durante a sessão, houve bate-boca entre Witzel e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho mais velho do presidente. A confusão começou quando o advogado do político pediu a retirada de deputados da sessão da CPI, o que foi indeferido pelo presidente da comissão Omar Aziz (PSD-AM). Em seguida, senadores perguntaram se o ex-governador do Rio se sentia intimidado com a presença de algum parlamentar. Witzel respondeu que não e, na sequência, foi interrompido por Flávio Bolsonaro. “Ele acabou de declarar que houve conluio do STJ (Superior Tribunal de Justiça) para persegui-lo”, disse Flávio ao comentar declaração de Witzel sobre ministros do STJ em relação ao seu caso. “Não vai me intimidar”, disse Witzel sobre a presença de Flávio na CPI. O político ainda chamou o filho do presidente de “mimado” depois que o senador afirmou que acompanharia o depoimento do ex-governador de qualquer forma, sendo de forma privada ou não.
Na audiência, Renan citou episódio envolvendo Fabrício Queiroz, ex-assessor do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), durante a campanha eleitoral de 2018. Queiroz foi preso suspeito de ser o operador da chamada “rachadinha” no gabinete de Flávio. “O que isso tem a ver com a pandemia? É um assunto que não tem nenhuma relação com a CPI. É um desrespeito a mim”, disse Flávio Bolsonaro, que não é integrante da comissão. Renan lembrou então uma declaração de Flávio sobre Queiroz: “Um cara correto, trabalhador, dando o sangue por aquilo que ele acredita”.
Em outro momento, Flávio Bolsonaro voltou a pedir a palavra e lembrou que Witzel é acusado de ser chefe de uma organização criminosa no Rio, sofreu impeachment por isso e o STJ chancelou a investigação contra ele. “O senhor diz que há um conluio da República? Quer fazer dessa CPI um palanque político”, disse Flávio. O senador, por sua vez, também é acusado de chefiar uma organização criminosa pelo Ministério Público no caso da “rachadinha”.
Habeas corpus
Na terça-feira 15, o ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu a Witzel o direito de não comparecer à comissão, ao aceitar um habeas corpus impetrado pela defesa do ex-governador. Ainda assim, o ex-juiz compareceu à audiência, conforme havia antecipado a VEJA. Ele tinha o direito ao silêncio, a não assumir compromisso de falar a verdade e à assistência de um advogado.
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No pedido por um “salvo conduto” ao STF, o advogado do ex-governador, Daniel Carvalho Pereira, sustentou que ele é investigado na Justiça pelos fatos sobre os quais será instado a falar na CPI – supostos desvios de recursos para combate à pandemia no Rio – e que a obrigatoriedade de seu comparecimento à oitiva é um “subterfúgio ilegal” a violar seu direito à não autoincriminação. A prerrogativa, diz a defesa, garantiria a Wilson Witzel escolher se vai ou não à CPI.
A VEJA, Witzel também justificou sobre o motivo de ter recorrido ao Supremo para não comparecer à comissão: “Foi uma decisão dos (meus) advogados. Eu não posso interferir no trabalho deles”. O pedido da defesa usou como exemplo a decisão da ministra do STF Rosa Weber que autorizou o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), a não participar. No caso do amazonense, ele realmente não foi.