Companheira de Adriano Magalhães da Nóbrega durante dez anos, Julia Mello Lotufo ficou com o ex-capitão do Bope — acusado de chefiar um grupo de matadores de aluguel — até a véspera da morte dele, em 9 de fevereiro de 2020, no município de Esplanada, na Bahia. Um dia antes de o ex-PM ser morto numa ação policial, Júlia, em comum acordo com ele, deixou Esplanada rumo ao Rio de Janeiro acompanhada da filha e de um motorista indicado pelo fazendeiro Leandro Abreu Guimarães, que era amigo de Adriano e o hospedava no interior baiano.
Durante a viagem, a Hilux branca em que Julia viajava foi parada por uma equipe da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Na abordagem, perguntaram ao motorista quem o havia indicado para o serviço. “Zé”, como é conhecido, respondeu que tinha sido Leandro Guimarães e assim entregou uma importante pista do paradeiro de Adriano, que estava foragido da Justiça desde o início de 2019, acusado de homicídio.
Ao ser liberada pelos policiais, Julia ligou para Adriano, contou o que tinha acontecido e recomendou que ele e Leandro fugissem, porque a polícia logo chegaria aos dois. Numa conversa gravada a que VEJA teve acesso, ocorrida quatro dias após a morte do ex-capitão do Bope, Julia disse não entender por que o companheiro não fugiu, já que ele sempre repetia que, se fosse alcançado pelos policiais, seria executado, num caso típico de queima de arquivo. Além de próximo à família de Jair Bolsonaro, Adriano sabia muito sobre as relações promíscuas entre autoridades públicas do Rio e o crime organizado.
Tortura
Horas após a abordagem da PRF e a ligação telefônica, a polícia militar da Bahia chegou à fazenda de Leandro, um amigo que Adriano fez no circuito de vaquejadas e que chegou a ser listado pelo ex-capitão do Bope como sua testemunha de defesa num processo judicial. A ação policial contou com granadas e resultou na prisão do fazendeiro, por porte ilegal de armas, nas não encontrou Adriano. Motivo: ele passava o dia na propriedade, mas dormia num sítio próximo, no qual acabou morto. Julia pernoitou lá também.
Responsável pela investigação do caso, o Ministério Público da Bahia disse na conclusão da investigação — cujos detalhes são revelados com exclusividade na nova edição de VEJA — que uma testemunha contou aos policiais, após a fracassada operação na fazenda, onde estava Adriano. Na conversa gravada a que a revista teve acesso, Julia disse que essa versão não é verdadeira. Segundo ela, Leandro teria sido forçado a dizer onde estava o amigo e não resistiu a pressão.
Matadores
Em depoimento ao MP, Leandro disse não se lembrar se Adriano portava armas. Já Júlia declarou que ele não levou qualquer pistola nem para o sítio onde foi morto nem para a casa na Costa do Sauípe onde se hospedaram antes de fugir para Esplanada — entre outros motivos porque o casal estava acompanhado da filha e de uma adolescente, que correriam risco em caso de uma eventual troca de tiros.
Segundo a polícia da Bahia, Adriano portava uma pistola quando foi alcançado, resistiu à ordem de prisão e morreu com dois tiros — um de fuzil, outro de carabina. A nova reportagem de VEJA mostra em detalhes a quantidade de elementos que colocam em dúvida se o ex-capitão estava de fato armado e se fez mesmo os disparos alegados pelas forças policiais.
Aos promotores, Julia garantiu que Adriano não estava armado. A pessoas próximas, chegou a dizer que, se tivesse uma pistola, ele se mataria ao perceber o cerco dos policiais, porque tinha convicção de que seria torturado e executado. A investigação do MP não conseguiu rechaçar todos os indícios de tortura. “Tenho certeza de que fizeram com o Adriano o que ele fazia com vagabundo do morro”, declarou a viúva numa conversa reservada. Um dos hobbies de Adriano era torturar. E não apenas vagabundos do morro.