Por um placar mais apertado que o previsto, a Câmara dos Deputados conseguiu barrar a implantação do voto impresso no pleito de 2022, que já se anuncia marcado pelo ambiente de forte polarização política que contamina o País. Por ora, a batalha em defesa do sistema eletrônico de votação foi vencida, mas integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sabem que a disputa promovida pelo presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores está longe do fim. Mais do que uma briga entre os poderes Executivo e Judiciário, a avaliação dentro do TSE é a de que o presidente da República conseguiu disseminar boatos e rumores infundados contra a lisura do processo eleitoral, fazendo com que cidadãos comuns tivessem “dúvidas legítimas” a respeito do sistema eletrônico de votação. Ou seja, a desconfiança em torno das urnas é uma ameaça real e concreta — e é preciso agir.
Na última quinta-feira, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, deu um novo passo no sentido de blindar a Justiça Eleitoral de novos ataques bolsonaristas. Durante a sessão plenária, o ministro anunciou medidas para tornar mais transparentes os mecanismos de checagem do sistema eletrônico de votação. A inspeção dos códigos-fonte (software que roda na urna eletrônica), por exemplo, será aberta a partidos políticos e técnicos das legendas já em outubro deste ano, seis meses antes do previsto. “A realidade é que os partidos não compareciam nem indicavam seus técnicos. Assim foi nas eleições de 2016, nas eleições de 2018, nas eleições de 2020: nenhum partido compareceu para fiscalizar. Alguém poderia imaginar que é desídia dos partidos, mas não. Era a confiança que tinham no sistema e, por isso, nem se sentiam obrigados a vir aqui ver como estava sendo feito”, disse Barroso na ocasião.
O tribunal também vai aumentar o número de urnas sorteadas por amostragem que passam pelo chamado “teste de integridade”. Esses aparelhos passam por uma espécie de votação paralela, que serve para mostrar a confiabilidade do equipamento, sob o monitoramento de partidos políticos, Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Alvo de ofensas disparadas por Bolsonaro, Barroso — que já foi chamado de “idiota”, “imbecil”, “semideus” e “dono da verdade” pelo chefe do Executivo — também decidiu criar uma comissão externa para fiscalizar o sistema eleitoral brasileiro. Além de professores especializados na área de computação, o grupo será composto por membros da sociedade civil, do Congresso, da Polícia Federal — e das Forças Armadas. “Foi um gesto de consideração com os brasileiros de boa-fé que ficaram em dúvida. E também uma estratégia de divulgação dos mecanismos de segurança da urna. Agora, precisar não precisava, porque o sistema já era absolutamente seguro”, admitiu reservadamente um integrante do TSE.
As medidas foram anunciadas após o desfile de tanques na Esplanada dos Ministérios e a votação da PEC do Voto Impresso, que não reuniu os 308 votos necessários para ser levada adiante na Câmara. “Houve uma pressão monstruosa e ameaçadora do Bolsonaro e da Casa Civil além das redes do mal. Foi algo muito violento”, comentou outro magistrado da Corte.
Na próxima segunda-feira, em outra frente, o TSE inicia em rede nacional de rádio e TV uma campanha em defesa da urna eletrônica, estrelada pela filósofa, pesquisadora e escritora Djamila Ribeiro, ícone do feminismo negro. O lema da campanha é praticamente uma resposta do tribunal ao presidente: “(A urna) É segura, é fácil de checar, é do Brasil”. Djamila não cobrou cachê, e o espaço vai ser cedido gratuitamente pelas emissoras para a veiculação da propaganda. Uma nova campanha, feita pelo publicitário Nizan Guanaes, deve ser lançada até o fim do ano.