Postada numa rede social pelo presidenciável Sergio Moro, a fotografia ao lado registrava a parte final de um jantar num restaurante em Brasília, na segunda-feira 28. Presentes, além do candidato, o advogado Luís Felipe Cunha, coordenador da campanha do Podemos, e o deputado Luciano Bivar, presidente do União Brasil. A imagem vinha acompanhada da seguinte legenda: “Reforçamos a necessidade de termos um único candidato do centro político democrático contra os extremos. Bivar seria um ótimo vice-presidente ou cabeça de chapa. Estaremos juntos de 2022 a 2026, pelo menos”. O conjunto parecia um protocolar aceno político a um potencial futuro aliado, mas era mais que isso. Isolado em seu partido, Moro já estava negociando a própria transferência para o União Brasil — confirmada três dias depois, embaralhando ainda mais o já confuso cenário das candidaturas de centro.
O semblante tranquilo de Sergio Moro na foto escondia uma insatisfação crescente dele com os rumos da campanha, do partido e, principalmente, com alguns aliados que, segundo afirma, trabalham intensamente para sabotar sua candidatura. O ex-juiz já havia reclamado da inação do Podemos quando o Tribunal de Contas da União vasculhou seus contratos de trabalho na iniciativa privada, da falta de apoio dos parlamentares da legenda e da demora dos dirigentes em definir os recursos que seriam reservados para sua campanha. No domingo 27, esse conjunto de insatisfações foi discutido numa reunião entre o candidato, três senadores do Podemos e a presidente do partido, deputada Renata Abreu. Rosangela Moro, mulher do ex-juiz, sem meias-palavras, criticou a postura omissa da legenda. Diante do impasse, Sergio Moro foi então instado a considerar uma das hipóteses que ele mesmo já vinha articulando.
Ao lançar sua pré-candidatura em novembro do ano passado, Moro acreditava que ela decolaria por inércia. A fama conquistada pela condução da Lava-Jato, que desmantelou uma quadrilha de corrupção operada pelo PT, capturaria automaticamente os eleitores que rejeitam o ex-presidente Lula. E a demissão do Ministério da Justiça, por sua vez, atrairia o contingente decepcionado com o governo do presidente Jair Bolsonaro. Feitas as contas, o ex-juiz projetava que, sem fazer muita força, terminaria o mês de março com índices de intenção de voto na casa de dois dígitos, o que seria suficiente para ele se consolidar como principal nome da chamada terceira via. Como consequência, imaginava, haveria uma aglutinação natural em torno de sua candidatura, abrindo para ele as portas da política e os cofres dos partidos. O problema é que o mês de março terminou e nada disso aconteceu.
Na última pesquisa do Datafolha, Moro apareceu com 8% das intenções de voto, abaixo, portanto, do que a coordenação da campanha do Podemos havia projetado. Se levadas em consideração, porém, a condição de neófito do ex-juiz, a estrutura modesta do partido e a limitação dos recursos financeiros, o resultado era razoável. O presidenciável aparecia à frente de políticos experientes como o pedetista Ciro Gomes (6%), que já disputou três eleições presidenciais, o tucano João Doria (2%) e a emedebista Simone Tebet (1%). Ainda assim, o Podemos, dono de um fundo eleitoral superior a 170 milhões de reais, não dava garantias ao ex-juiz de que ele teria os recursos considerados necessários para a campanha. Moro queria 60 milhões de reais. O partido informou que podia assegurar, no máximo, 30 milhões.
Na pré-campanha, a dificuldade financeira gerou situações de constrangimento. Dias atrás, o ainda candidato do Podemos fez um giro internacional. Em Berlim, na Alemanha, ele se reuniu com políticos e empresários para expor seu plano de governo. Visitou o Parlamento, falou sobre a necessidade de acordos multilaterais e criticou a posição do governo brasileiro em relação à guerra da Ucrânia. Em tempos de campanha, expedições assim servem para os candidatos transmitirem aos eleitores a imagem de que são capazes de participar de grandes debates internacionais. A viagem, porém, quase foi cancelada por falta de dinheiro. Isso só não aconteceu porque, na última hora, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) topou pagar do próprio bolso as despesas de Moro e da equipe que acompanhou o candidato.
A filiação de Sergio Moro ao União Brasil foi selada em uma reunião, na noite de quarta-feira 30, entre Luciano Bivar e Luís Felipe Cunha. É, em princípio, um bom negócio para as duas partes. O União é o terceiro maior partido do Congresso, dono de um fundo eleitoral de cerca de 800 milhões de reais, mas não tem em seus quadros nomes que possam catapultar um projeto presidencial ou ser puxadores de votos para uma grande bancada. Isso não quer dizer que o ex-juiz será ungido como um dos líderes da legenda. Pelo contrário. No União há muitos políticos que torcem o nariz para Moro e, por essa razão, o partido exigiu que ele abrisse mão da candidatura à Presidência. Moro concordou, mas ainda vai tentar reconstruir um consenso interno para se viabilizar, o que, obviamente, não será fácil. “Moro fez um gesto para o mundo político que quer buscar uma terceira via democrática e mostrou desprendimento muito grande em prol de um projeto amplo, não personalista”, disse a VEJA a deputada Dayane Pimentel (União-BA), uma de suas aliadas. Ou seja, nesse terreno conturbado da terceira via, tudo ainda pode acontecer — inclusive nada.
Publicado em VEJA de 6 de abril de 2022, edição nº 2783