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Ricardo Salles: “Contrariamos interesses”

Em entrevista a VEJA, o ministro afirma que a preservação da Amazônia só será possível com o desenvolvimento da região

Por Letícia Casado
Atualizado em 4 jun 2024, 14h04 - Publicado em 16 abr 2021, 06h00
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  • O senhor continua firme no comando do ministério? O pessoal viu que o presidente não tem interesse de mudar o meu ministério. Houve muita especulação, mas não há mais atrito. Os ministérios que têm essa questão ideológica envolvida serão sempre alvo de ataque.

    Ataques especificamente de quem? Desalojamos do poder aqueles que estavam aqui. No Ministério do Meio Ambiente, apesar dos vários governos, o drive foi sempre o mesmo nos últimos vinte anos, de esquerda. De repente, a turma perde o ministério, a Presidência, a diretoria do Ibama, as secretarias, o ICMBio… Não estou falando só do cargo, mas do cargo e das verbas que administram, dos recursos internacionais repassados. Isso, claro, gera atritos, reações, e aí a gente acaba sendo criticado. Contrariamos muitos interesses.

    Mas as críticas ao Brasil vêm de várias partes do mundo. São três coisas. O governo não se comunicou bem. Há essa questão das mudanças a que me referi. E, o mais importante, a nossa postura incomoda aqueles que dominam a narrativa ambiental. A gente diz que é preciso cuidar da floresta e também dos mais de 23 milhões de pessoas que vivem na Amazônia. Por conta disso, ficamos dois anos apanhando com o discurso “Vocês não ligam para o meio ambiente”. O fato é que os difusores dessas falsas narrativas deixaram a Amazônia com o pior índice de desenvolvimento humano. Cuidaram, entre aspas, da questão ambiental e deixaram as pessoas para trás.

    E como conciliar as duas coisas? Um fator muito distinto entre o que temos hoje versus o que tivemos no passado é uma visão de importância do desenvolvimento econômico sustentável para a preservação ambiental. Um país que não cuida do meio ambiente não se desenvolve economicamente. O desenvolvimento de forma sustentável permitirá uma melhora ambiental.

    Na prática o que seria isso? No caso da Amazônia, a situação fundiária resolvida, potencialidades identificadas e reconhecidas. O que isso quer dizer: no local onde tem ouro, por exemplo, você pode criar zonas de exploração fiscalizadas, sem devastação. O problema é que, a pretexto de cuidar do meio ambiente, proibimos a evolução do setor mineral. Resultado: não há geração de riqueza, a população é pobre e desrespeita o meio ambiente. Essa concepção de que você cerca e não deixa ninguém entrar lá não é correta e nem justa.

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    Essa política vale também para os índios? Isso vale para todos. Por que tratamos os índios como pessoas incapazes de decidir por si próprios o que querem para o futuro? Criou-se uma narrativa sobre índios como se eles não tivessem vontade própria. Não é verdade. Até porque não tem situação homogênea na Amazônia. Há índios que querem mais isolamento. E outros que estão completamente incorporados à civilização e ao mercado produtivo. Você tem índios agricultores em Mato Grosso, os que trabalham com mineração no Pará, os que são ligados ao setor madeireiro em Rondônia. Por que nós temos de impor a eles uma maneira de viver que eles não querem?

    Até que ponto o apoio do governo brasileiro a Donald Trump contaminou as relações com os democratas? Os políticos no mundo conseguem distinguir bem o que é campanha do que é pós-campanha. As relações Brasil-­Estados Unidos são institucionais, históricas. São parceiros há muito tempo. Depois da eleição, o presidente escreveu uma carta ao presidente Biden. Agora, estamos sendo chamados a participar de um esforço para combater a mudança climática. Somos responsáveis por apenas 3% das emissões de carbono em todo o planeta. Nem de longe somos o grande poluidor. Mesmo assim dizem que é um problema de todos. Vamos ajudar.

    A preservação da Amazônia é prioridade? A saúde é prioridade, a educação é prioridade, a segurança pública é prioridade. O meio ambiente é uma prioridade. Mas, repito, temos de melhorar a vida das pessoas. Não podemos chegar a Manaus e ver favelas em palafita, menina de 14 anos grávida, pessoas vivendo em casa sem saneamento. Se essas coisas não forem resolvidas, a pressão social sobre a floresta vai continuar.

    Publicado em VEJA de 21 de abril de 2021, edição nº 2734

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