Réquiem para os tucanos
O PSDB, finalista nas disputas presidenciais dos últimos 24 anos, sai esfacelado da eleição e caminha para a bolsonarização
Foi uma derrota épica. Numa eleição farta de grandes perdedores, o PSDB conseguiu pairar acima de todos. Geraldo Alckmin, o candidato tucano à Presidência da República, terminou o primeiro turno reduzido a dois Cabo Daciolo e meio, com apenas 5 milhões de votos, contra os 12,2 milhões que chegou a ter em 2014, quando venceu a sua última eleição para governador. Na Câmara, o partido viu sua bancada virar pó: perdeu 25 cadeiras, o que o fez despencar do quarto para o nono lugar no ranking das siglas, abaixo até do já irrelevante PR. No comando dos estados, o PSDB corre o risco de cair de cinco governos para nenhum (disputa o segundo turno em seis estados, com chances em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul). E, como se todas essas humilhações não bastassem, três dias depois de revelados os resultados das urnas, um dos principais caciques do partido, o ex-governador de Goiás Marconi Perillo, foi preso pela Polícia Federal em Goiânia, acusado de receber 12 milhões de reais do propinoduto da Odebrecht, e solto 24 horas depois.
Se para todo náufrago jacaré é tronco, no Titanic do PDSB, o jacaré se chama Jair Bolsonaro. Neotucanos como o ex-prefeito João Doria, o mais político dos gestores, já haviam se insinuado para o presidenciável do PSL antes mesmo de encerrado o primeiro turno — iniciativa que foi devidamente lembrada na reunião da executiva nacional do partido, ocorrida na tarde de terça-feira, em Brasília, quando o alto tucanato se juntou para acertar as contas da derrota. O encontro se prestou sobretudo à lavagem de roupa suja entre Doria e Alckmin, em guerra fria desde a disputa pela candidatura à Presidência da República. Apontando o dedo para o correligionário, Alckmin disse nunca ter sido “traidor” — sugerindo que a característica deveria ser atribuída a Doria. A gota d’água para a explosão do ex-governador foi o fato de Doria ter sugerido que o apoio tucano ao governo Temer levava a assinatura de Alckmin. “Temerista eu não sou. Traidor eu não sou”, rebateu o ex-governador.
O fato de o PSDB ter sido sócio do governo de Michel Temer, o mais impopular da história, é tido como um dos fatores responsáveis pelo destino da sigla, ao lado da ação fulminante da Lava-Jato sobre próceres do partido como o mineiro Aécio Neves. A permanência da legenda no governo — com quatro ministérios — sempre dividiu os tucanos. Enquanto o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Alckmin defendiam a ideia de que o partido se limitasse a votar com o governo as reformas econômicas no Congresso sem estabelecer com ele uma aliança formal, um grupo liderado por Aloysio Nunes — até hoje o saltitante ministro das Relações Exteriores de Temer —, José Aníbal e João Doria queria mergulhar de cabeça na empreitada, e eles foram vencedores. O ônus da parceria veio a galope, quando a primeira denúncia criminal contra Temer chegou à Câmara dos Deputados e teve de ser votada por sua base aliada.
Dos 22 deputados tucanos que ficaram a favor do atual presidente, dez não se reelegeram. Das oito principais lideranças do partido eleitas em 2014 para cargos majoritários, apenas quatro ainda têm mandato. José Serra (PSDB-SP), senador até 2023, é um deles. Duas vezes candidato à Presidência, já foi uma das maiores lideranças do partido, mas esmoreceu no mesmo ritmo que a sigla. Alvo de um inquérito da Lava-Jato, passa por uma depressão e, recentemente, mudou-se de seu apartamento para a casa de sua ex-mulher, Mônica, no bairro paulistano do Alto de Pinheiros. A amigos, afirmou que não dispunha mais de recursos suficientes para arcar com o próprio aluguel.
Em frangalhos, o PSDB caminha para a bolsonarização. Na reunião tucana, Doria, que até pouco tempo atrás chamava Bolsonaro de “extremista”, chegou a sugerir que o PSDB fizesse uma moção de apoio ao candidato do PSL. O partido decidiu ficar neutro. Os integrantes da equipe do ex-prefeito vêm argumentando que os tucanos que restaram em cargos eletivos, sobretudo no Sul e no Sudeste, têm perfil antipetista e essa deveria ser a premissa de “refundação” do partido. Também fizeram as contas de que, dos oito senadores hoje com mandato, cinco se alinhariam mais a um governo Bolsonaro, à exceção de Serra, Jereissati e Anastasia, caso não se eleja em Minas. Aliados de Doria não descartam, portanto, que o PSDB se torne parte da base de apoio governista em caso de vitória do deputado do PSL.
Para os sobreviventes tucanos, trinta anos separam o triste 7 de outubro do dia em que dissidentes emedebistas, cansados do caráter fisiológico de seu partido, fundaram o PSDB em busca de mudança, e assim se tornaram a referência brasileira para um projeto social-democrata. O PSDB, como o Brasil o conheceu um dia, não existe mais. Falta só encomendar a missa.
Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2018, edição nº 2604