Nas últimas duas semanas era visível que havia algo tensionando mais que o normal as relações entre o presidente da República, o ministro da Justiça e o diretor-geral da Polícia Federal. Na edição passada, VEJA revelou uma parte do mistério: Bolsonaro foi informado da existência de uma investigação sigilosa sobre uma fraude previdenciária envolvendo o deputado Helio Negão, um de seus melhores amigos. Bem ao seu estilo, o presidente logo vislumbrou uma conspirata para atingi-lo — e reagiu determinando a substituição do superintendente da PF no Rio de Janeiro, onde a bruxaria estaria ocorrendo. A decisão foi interpretada como uma interferência indevida de Bolsonaro na cadeia natural de comando. Ao demitir o superintendente, ele teria desautorizado ao mesmo tempo o ministro Sergio Moro e o diretor-geral, Maurício Valeixo. Por causa disso, ambos estariam se preparando para deixar o governo.
Bolsonaro, Moro e Valeixo foram capturados numa teia de intrigas. Na segunda-feira 9, o jornal Folha de S.Paulo publicou que não havia investigação sobre o deputado, e sim sobre um homônimo dele. A versão de que o alvo seria o amigo do presidente teria sido espalhada por inimigos do delegado Ricardo Saadi, o então superintendente do Rio. Ao saber disso, o ministro Moro determinou que fosse apurada a “aparente inclusão fraudulenta do nome do deputado federal Helio Negão em inquérito que tramita perante a Polícia Federal do Rio de Janeiro e que teria por objeto condutas de pessoa com o mesmo apelido”, com o “intuito de manipular o governo federal”.
A raiz dessa crise, como tantas outras em Brasília, está na disputa por poder. Segundo relato de uma autoridade com acesso aos personagens envolvidos, a confusão foi produzida por um delegado do Rio que ouviu de uma testemunha a informação de que um homem conhecido como Helio Negão estaria por trás de uma série de crimes praticados contra a Previdência. O policial, então, encaminhou um relatório detalhando a descoberta ao setor de inteligência da PF em Brasília. Um amigo do policial garante que no documento já continha a informação de que o criminoso poderia tratar-se de um homônimo do deputado. Isso, porém, não impediu — há quem acredite que até incentivou — a difusão da versão de que o parlamentar estava sendo realmente investigado, uma tentativa de indispor a atual direção da PF e o ministro Sergio Moro com o presidente da República. O caso está sendo apurado pela corregedoria da PF, que investiga a participação do delegado Leonardo Tavares na armação.
Publicado em VEJA de 18 de setembro de 2019, edição nº 2652