Preso preventivamente pela Polícia Federal no início da noite desta segunda-feira, 20, por ordem do juiz federal Eduardo Appio, como revelou VEJA, o ex-doleiro Alberto Youssef foi detido pela Polícia Federal em uma casa de alto padrão em um condomínio à beira-mar, em Itapoá, litoral de Santa Catarina.
Depois de irem inicialmente a outro endereço identificado como sendo de Youssef na cidade, um pequeno condomínio com dois blocos, sem tê-lo encontrado, os policiais ouviram de duas crianças nas proximidades do local a informação de que o ex-doleiro não morava ali. As crianças, que aparentavam ter 8 anos de idade, segundo relatório do delegado Jorvel Eduardo Albring Veronese, também disseram espontaneamente que Alberto Youssef era dono das torres e que o irmão dele, Antonio, morava perto dali. Antes de receber as “dicas” das crianças, a PF perguntou sobre “Alberto” a um homem que mora no local, mas ele disse não conhecer ninguém com esse nome por ali.
Os policiais em seguida foram ao endereço de Antonio e localizaram uma cunhada do ex-doleiro, que informou aos agentes a residência atual dele, no Cancún Beach Residence, que constava como endereço antigo de Alberto Youssef junto à PF (veja abaixo).
A PF chegou ao condomínio à beira-mar por volta das 18h20 e foi recebida pelo porteiro, Ernande de Souza. Ele confirmou que Alberto Youssef residia ali, na casa de número 2, e disse que o ex-doleiro trabalhava no Porto Itapoá — o porto, no entanto, afirma que Youssef “não trabalha e nunca trabalhou no Porto Itapoá”. Alberto Youssef não estava em casa no momento da chegada da PF. Segundo o porteiro, o ex-doleiro saía todos os dias por volta das 7h30 e voltava após as 18h.
Youssef apareceu no endereço por volta das 18h40, dirigindo um carro Mercedes-Benz azul “aparentemente antigo”, que ele estacionou no pátio interno do condomínio, quando foi abordado pela PF enquanto falava ao telefone com seu advogado, Luís Gustavo Flores — ele havia sido informado pela cunhada sobre a presença dos policiais.
Segundo o delegado da PF que cumpriu o mandado expedido pelo juiz federal Eduardo Appio, o ex-doleiro se mostrou “bastante inconformado” quando ouviu a ordem de prisão e em seguida ligou para a esposa, Joana, para comunicá-la de sua nova detenção. Em seguida ele entrou na viatura da PF, sem algemas, e foi levado à Superintendência da PF em Curitiba — inicialmente estava previsto que ele passasse a noite na delegacia federal de Joinville (SC). “Durante todo o trajeto” até a capital paranaense, onde chegaram por volta de 21h10, segundo relatório do delegado, Youssef manteve-se “questionador e inconformado”.
A prisão do doleiro da Lava-Jato
Conforme revelou VEJA nesta segunda-feira, o juiz federal Eduardo Appio, desde fevereiro à frente dos processos da Operação Lava-Jato em Curitiba, determinou a prisão preventiva de Alberto Youssef, ex-doleiro cuja delação premiada foi um dos pilares do início da operação, em 2014. A defesa do ex-doleiro classificou a decisão como “absurda” e tenta revertê-la junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
Na decisão que ordena a prisão, tomada no âmbito de uma representação fiscal para fins penais aberta pela Receita Federal, o magistrado afirma que o ex-doleiro não devolveu todos os valores de que se beneficiou ilicitamente, leva vida “privilegiada” e deixou de informar à Justiça Federal dados atualizados sobre seu endereço. O juiz federal também revogou a decisão que havia suspendido o caso por dez anos. Youssef foi condenado a mais de 100 anos de prisão em processos abertos a partir das investigações do petrolão.
“O relatório fiscal para fins penais da Receita Federal deixa evidenciado que o acusado não devolveu aos cofres públicos todos os valores desviados e que suas condições atuais de vida são totalmente incompatíveis com a situação da imensa maioria dos cidadãos brasileiros”, afirma Appio. “O simples fato de que possui diversos endereços e de que estaria morando na praia já evidencia uma situação muito privilegiada e que resulta incompatível com todas as condenações já proferidas em matéria criminal”, conclui.
Foi a partir das relações entre Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da petrolífera Paulo Roberto Costa que a Lava-Jato avançou sobre o monumental esquema de corrupção na estatal. O primeiro fio de ilegalidade captado pelos investigadores foi o famoso Range Rover Evoque com que o doleiro havia presenteado Costa, também delator, no valor de cerca de 250.000 reais, em maio de 2013.
“A referida Operação Lava-Jato demonstrou, com juízo de total certeza, que Alberto Youssef, além de multirreincidente em crimes econômicos e de lavagem de dinheiro nos últimos 10 anos, tornou-se o personagem central da engrenagem que permitiu o desvio de muitos milhões dos cofres públicos e das estatais”, diz o juiz no despacho.
Pelo acordo firmado com o Ministério Público Federal no âmbito da Lava-Jato, Alberto Youssef teria suspensos todos os inquéritos e processos da operação contra si depois que as sentenças impostas a ele somassem 30 anos de prisão. O ex-doleiro deixou a cadeia em novembro de 2016, quase três anos depois de ter sido preso pela Lava-Jato, em um hotel de São Luís (MA). Ele usou tornozeleira eletrônica até 2017 e vivia em um apartamento na Vila Nova Conceição, bairro nobre de São Paulo. Para o novo juiz da Lava-Jato, o ex-doleiro representa “elevada periculosidade social” e “sua atual condição de plena liberdade contribuiu com a sensação de impunidade nos seus casos”.
Um dos maiores doleiros do país, verdadeiro “banqueiro” do mercado paralelo, Alberto Youssef funcionava como caixa de propinas do esquema de corrupção que atingiu a Petrobras. Empresas de papel que ele controlava, como MO Consultoria, GDF Investimentos, RCI Software e Construtora Rigidez, recebiam por meio de contratos fictícios dinheiro de empreiteiras que integravam o cartel da estatal e repassavam os valores a políticos, seus operadores financeiros e ex-dirigentes da petroleira.
O acordo de colaboração firmado entre Youssef e a Procuradoria-Geral da República foi o segundo do ex-doleiro em sua “carreira” no crime. Em 2004, ele já havia fechado ajustamento semelhante no caso Banestado, o primeiro do tipo na história do país, mas descumpriu as cláusulas e teve o acordo anulado pela Justiça paranaense – em 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin restabeleceu a validade da delação. Em sua decisão nesta segunda, o juiz Appio pontua que “o acusado somente poderá ser beneficiado pela suspensão das ações penais caso cumpra determinados requisitos, um dos quais, assumir a condição de não delinquir”.
Ao determinar a volta à prisão de um dos ícones entre os delatores da Lava-Jato, Eduardo Appio mostra a que veio. Crítico dos métodos do ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e da antiga força-tarefa do MPF que atuou na operação, o magistrado assumiu o cargo com a disposição de não deixar os casos morrerem, mas tem dado sinais claros de que não adotará a mesma régua de seus antecessores.