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Partido invertebrado

A convocação de protestos pró-Bolsonaro escancara as divisões do PSL, a legenda governista que não consegue dar sustentação ao governo no Congresso

Por Edoardo Ghirotto
Atualizado em 4 jun 2024, 16h06 - Publicado em 24 Maio 2019, 07h00
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  • A inexperiência do deputado goiano Major Vitor Hugo — como tantos de seu partido, o PSL, um parlamentar em primeiro mandato — tem prejudicado sua atuação como líder do governo na Câmara. Mas falta-lhe mais do que experiência: ele não parece ter o decoro elementar que desaconselha o compartilhamento, em grupos de WhatsApp, de conteúdo que possa ofender seus colegas deputados. Mais de um mês atrás, o major divulgou em um grupo de deputados uma charge que associava articulação política a corrupção, representada por um gordo saco de dinheiro. Na terça-­feira 21, o fato chegou ao conhecimento de Rodrigo Maia (DEM-RJ), que considerou a charge um ataque ao Congresso e, em meio a uma reunião com lideranças partidárias, anunciou que não conversaria mais com Vitor Hugo. O deputado do PSL tentou se explicar, mas Maia encerrou a reunião quando ele ainda estava falando. O líder do governo que não consegue dialogar com o presidente da Câmara representa à perfeição o Partido Social Liberal: uma sigla sem unidade orgânica, cujos membros dispersam energia em discussões miúdas. O partido que deveria ser o esteio do governo Bolsonaro é, em uma palavra, invertebrado.

    Todo grande partido comporta divisões entre alas ideológicas. Mas PSDB, PT e MDB pelo menos conseguiam manter a unidade em torno de temas fundamentais no Congresso. Até o hoje esquecido PRN sabia (ao menos no início do mandato) unir forças para defender Fernando Collor. Com 54 deputados, quatro senadores e três governadores, o PSL é o proverbial saco de gatos: um aglomerado de personalidades eleitas na onda anti-­establishment do bolsonarismo — cerca de 70% delas estão em primeiro mandato. Muitos ganharam projeção por meio do ativismo digital e, agora, ficaram reféns das redes sociais, que os ajudaram a chegar a Brasília. “Como os nossos parlamentares foram eleitos? Foi pelas redes sociais. Não nos reunimos em porões de palácio, escondidos. Nós quebramos o pau aqui”, diz o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, que considera as brigas entre correligionários “uma delícia”.

    Se faz a alegria de alguns, a falta de unidade cobra o seu preço. O governo tem perdido as principais votações da Casa justamente porque não encontra na legenda do presidente a coesão necessária para defender seus interesses no Congresso. “No PSL, cada um é sua própria liderança, e não há ninguém disputando uma visão hegemônica para o partido”, diz Ricardo Sennes, diretor da consultoria Prospectiva. Uma divisão, porém, começa a se formar na legenda: de um lado, deputados com facilidade para dialogar com o Centrão, como Alexandre Frota, Felipe Francischini e Júnior Bozzella. De outro, fiéis seguidores do deputado Eduardo Bolsonaro, como Carla Zambelli e Bia Kicis — uma turma que encampa com entusiasmo o discurso sobre a “nova política”, que rejeita o toma lá dá cá do Congresso.

    É em torno dessa rejeição genérica às instituições que os bolsonaristas esperam levar multidões às ruas no domingo 26. Nas redes sociais, a pauta dessas manifestações seguia de perto o espírito do desastrado texto que Jair Bolsonaro compartilhou, com repercussão negativa, em grupos de Whats­App — um manifesto confuso em apoio ao presidente, que, acossado por “corporações”, teria encontrado um país ingovernável fora dos conchavos. O governo tem tentado dar um contorno mais propositivo ao evento: a defesa da reforma da Previdência e do pacote anticrime do ministro Sergio Moro. O próprio Bolsonaro desistiu de ir às ruas e pediu aos ministros que não se envolvessem com os atos. Mas estima-se que 80% da incontrolável bancada do PSL estará presente nos protestos, em que manifestantes prometem até inflar bonecos de Maia no estilo “pixuleco”.

    Janaina Paschoal
    CONTRA OS PROTESTOS – Janaina Paschoal: pontes queimadas com o núcleo duro do bolsonarismo (Renato S. Cerqueira/Futura Press/.)

    Os protestos insuflaram novos bate-bocas em um partido que já se tornou folclórico pelos barracos. O senador Major Olimpio (SP) postou em seu Twitter um vídeo em que convocava os filiados ao PSL para os atos. O deputado Alexandre Frota (SP) pediu, “com todo o respeito”, que o senador não envolvesse o PSL no evento — melhor seria, disse, que Olimpio convidasse “Olavo de Carvalho para tirar a bunda branca dele da Virgínia e aparecer na Paulista”. Ainda mais beligerante foi a discussão, pelas redes sociais, entre as deputadas Carla Zambelli e Joice Hasselmann, líder do governo no Congresso. Joice se disse mais inteligente que a colega; Carla questionou se “casamento com o Centrão” seria inteligência; Joice disse que Carla era invejosa. Uma briga que se veria na 5ª série escolar (mas sem professor que apartasse as duas).

    Para agravar ainda mais o barulho que os tais protestos a favor causaram no partido, o evento enrolou o PSL — que segue enredado na suspeita de usar candidatas-laranja para preencher a cota feminina nas últimas eleições — em práticas da “velha política” que Bolsonaro diz combater. Na segunda-feira 20, um grupo de deputados do PSL foi até Luciano Bivar, presidente da legenda, para pedir verba do partido para financiar os atos pró-governo. Bivar até cogitou repassar quantias para que os diretórios estaduais as transferissem aos organizadores, mas foi convencido por assessores de que a medida provocaria mais um desgaste em Brasília.

    Major Olímpio
    PRÓ-MANIFESTAÇÕES - Olimpio: atacado, “com todo o respeito”, por Frota (Roberto Vazquez/Futura Press/.)

    O partido não é desarticulado apenas no Congresso: em São Paulo, há uma briga renhida pelo poder. Eduardo Bolsonaro, que substituiu o senador Major Olimpio na presidência estadual, tem se movimentado para preencher as vagas da executiva paulista com aliados, o que desagradou a políticos que buscam espaço internamente. O filho Zero Três também é o principal fiador de uma possível candidatura do apresentador José Luiz Datena à prefeitura de São Paulo, com o deputado-príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança de vice. O objetivo seria impedir Joice Hasselmann, com quem Eduardo já teve barulhentas desavenças públicas, de se lançar ao cargo. Na segunda-feira 20, Eduardo Bolsonaro esteve reunido por horas com o ex-assessor e hoje deputado estadual Gil Diniz para discutir a questão local. Um dos assuntos debatidos foi a situação de Janaina Paschoal, eleita para a Assembleia de São Paulo com mais de 2 milhões de votos. Janaina, que também era cotada para concorrer à prefeitura, irritou o núcleo duro do bolsonarismo com críticas ao presidente — questionou até sua sanidade mental — e às manifestações. Insinuou que poderia abandonar o PSL, mas voltou atrás.

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    A contrariedade de Janaina com os protestos é fácil de explicar. Se os atos forem um fracasso, Bolsonaro sairá desmoralizado. Se forem um sucesso, poderão afastar ainda mais os deputados dos partidos tradicionais, que com boa razão não engolem a pauta original da manifestação, voltada contra o STF e o Congresso. Alvo de diversos memes, Rodrigo Maia irritou-se com a hostilidade ao Legislativo contida nas chamadas originais às manifestações, e já antes disso vinha reunindo deputados do Centrão e da oposição em sua casa para discutir formas de o Congresso tomar a frente do governo em pautas econômicas centrais como a reforma da Previdência e, depois desta, a reforma tributária. O PSL não é convidado nesses encontros. Nem dá. Como convidar 54 deputados que só pensam em si próprios e em suas redes?

    Com reportagem de Marcela Mattos

    Publicado em VEJA de 29 de maio de 2019, edição nº 2636

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