O presidente da República ainda nem havia tomado posse, em 2018, e um fantasma já assombrava o futuro governo. Em 2020, o fantasma continuou assombrando — e se materializou. O ex-policial militar Fabrício Queiroz foi preso no dia 18 de junho, em Atibaia, no interior de São Paulo. Ele é acusado pelo Ministério Público de operar um esquema de “rachadinha” no gabinete do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Segundo os promotores, o ex-PM recolhia parte dos salários dos funcionários e repassava ao parlamentar. Entre 2007 e 2018, o mecanismo arrecadou 4,2 milhões de reais, supostamente usados para pagar despesas pessoais do filho Zero Um do presidente e para multiplicar o patrimônio da família. As investigações também revelaram transferências do ex-PM e de sua esposa, Márcia, para a conta bancária da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Foram ao menos 27 cheques no valor total de 89 000 reais depositados entre 2011 e 2016. Esses repasses, de acordo o presidente da República, seriam referentes ao pagamento de um empréstimo.
Fabrício Queiroz viveu os últimos dois anos praticamente na clandestinidade. O ex-policial mudou-se do Rio de Janeiro para São Paulo, onde tratou de um câncer no intestino. Para não ser reconhecido, apresentava-se com o nome de “Felipe” e usava disfarces quando saía às ruas. Amigo do presidente da República há mais de duas décadas, Queiroz teve a prisão decretada, segundo o Ministério Público, porque estaria manipulando provas, constrangendo e ameaçando testemunhas. Na época, quase ninguém sabia o paradeiro dele. Os investigadores o localizaram escondido numa casa que pertence a Frederick Wassef, ex-advogado da família Bolsonaro. Em entrevista a VEJA, Wassef disse que deu abrigo a Queiroz “por questões humanitárias”. Com a prisão do ex-PM e também da mulher dele, o Ministério Público acreditava na possibilidade de conseguir um acordo de delação premiada. Queiroz, porém, manteve o silêncio que se impôs desde que o escândalo foi revelado. Em novembro, Flávio e seu ex-assessor foram denunciados à Justiça por crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Indagado sobre o caso, o presidente Bolsonaro foi lacônico: “Isso não é assunto do governo”.
Publicado em VEJA de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719