Por uma imposição da lei, que exige a desincompatibilização de ocupantes de cargos públicos que serão candidatos nas eleições, Jair Bolsonaro realizou mais uma reforma ministerial. Dez ministros deixaram seus postos para concorrer em outubro — entre eles, Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura), que disputará o governo de São Paulo, Tereza Cristina (Agricultura), que tentará uma vaga no Senado por Mato Grosso do Sul, e o general Braga Netto (Defesa), cotado para vice na chapa à reeleição do presidente da República. Essas trocas em anos eleitorais são rotineiras e ocorreram também em governos anteriores, mas na gestão de Bolsonaro chamam a atenção por um motivo: foram uma rara mudança ministerial convencional, sem sobressaltos, em uma administração marcada pela instabilidade, como dá prova a alta rotatividade em cargos estratégicos. Entre a posse na Presidência e a nova reforma, Bolsonaro trocou um ministro a cada 43 dias. Só a pasta da Saúde, responsável por coordenar o trabalho de combate à pandemia de Covid-19, teve quatro comandantes desde janeiro de 2019.
Como quase nada ocorre sem turbulência na atual gestão, a reforma “convencional” exigida pela legislação foi precedida de uma demissão que estava fora dos planos do presidente, mas se tornou necessária para conter danos eleitorais. Na segunda-feira 28, Bolsonaro exonerou do cargo de ministro da Educação Milton Ribeiro, que permitiu que dois pastores sem vínculo com a administração pública intermediassem a liberação de recursos da pasta para prefeituras, conforme revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo. A situação de Ribeiro ficou insustentável depois que prefeitos disseram ter recebido dos pastores-lobistas pedidos de dinheiro e ouro, entre outros tipos de propina, para cuidar da liberação da verba. Alegando preocupação com a possibilidade de ter a imagem arranhada, a poderosa bancada evangélica abandonou Ribeiro. Já o Centrão, sempre disposto a abocanhar um novo quinhão na máquina pública, defendeu a demissão do ministro. Restou a Bolsonaro, mesmo depois de declarar que botava a cara no fogo por Ribeiro, mandá-lo para casa. “São três anos e três meses sem qualquer denúncia de corrupção nos nossos ministérios”, bradou o presidente antes de formalizar a demissão.
Escolhido como forma de agradar aos evangélicos, que constituem uma das principais bases de apoio do presidente, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro foi o quarto ministro nomeado para a Educação. Antes dele, caíram Ricardo Vélez Rodriguez, Abraham Weintraub, radical ideológico demitido após defender a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), e Carlos Decotelli, que perdeu o posto depois de reveladas inconsistências em seu currículo. Essa alta rotatividade não ajuda a boa gestão pública. Nem sempre o sucessor tem ou segue as mesmas prioridades do antecessor. “Por mais burocratizado que seja, por mais estável que sejam seus funcionários, mudanças de ministros sempre impactam nas rotinas ministeriais”, lembra o cientista político Renato Perissinotto, da Universidade Federal do Paraná. Ele acrescenta que, no caso de Milton Ribeiro, Bolsonaro optou pela demissão para tentar estancar a sangria da suspeita de pagamento de propina — e tentar preservar também a credibilidade de seu controverso discurso de intransigência com a corrupção. “A improbidade sempre afeta governos que se apresentam como os únicos portadores da virtude pública. É difícil segurar por muito tempo um sujeito que se envolveu com práticas suspeitas”, acrescenta Perissinotto.
O caso da Educação não é exceção. Bolsonaro já teve quatro ministros da Casa Civil, quatro da Saúde e três da Justiça. O chefe da Economia é o mesmo desde o início do mandato, mas aceitou ter as suas funções esvaziadas. As substituições na equipe começaram cedo e ocorreram por motivos diversos. Dos 21 ministros que formaram a primeira equipe de governo, doze ficaram pelo caminho. O presidente demitiu Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência) e Sergio Moro (Justiça) por suspeitar de traição. Com o agravamento da tensão com outros poderes, foi convencido a reduzir a influência da ala ideológica e exonerou Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Abraham Weintraub. Diante de sua insistência em impor um receituário negacionista no combate à pandemia de Covid-19, perdeu dois comandantes da Saúde: Henrique Mandetta e Nelson Teich. Houve também uma rodada de mudança ministerial mais convencional, influenciada pela necessidade de aumentar a base de apoio no Congresso e facilitar as negociações para a formação de uma coligação eleitoral em 2022. Foi quando Bolsonaro escancarou as portas do governo para o Centrão. “Rotatividade ministerial quase sempre reflete conflitos e negociações entre o Executivo e sua base de apoio no Congresso, nas Forças Armadas ou nos movimentos sociais”, diz o cientista político Paulo Kramer. Conflito é uma palavra que combina bem com a administração Bolsonaro.
Publicado em VEJA de 6 de abril de 2022, edição nº 2783