Um dos políticos mais vitoriosos nos últimos anos acabou sendo cancelado pelos políticos ao colocar em prática de forma radical a política de gerir a coisa pública como um antipolítico. Eis aí um bom resumo da ascensão e queda de João Doria na cena nacional, sendo que o último ato se refere à saída de cena forçada em boa parte pela rejeição que um outsider provocou ao levar a ferro e fogo a intenção de aplicar à frente do poder Executivo as boas práticas acumuladas na experiência anterior na iniciativa privada. Em seis anos, Doria venceu cinco eleições: três prévias do PSDB e os pleitos que o levaram à prefeitura de São Paulo e ao governo do estado. Com base em gestões bem-sucedidas, em especial no Palácio dos Bandeirantes, quando liderou na prática o combate no país à Covid-19, batendo de frente com o negacionismo de Jair Bolsonaro, ele tentou se viabilizar como candidato à Presidência da terceira via em 2022, mas acabou desistindo logo no começo da campanha, ao ser traído pelo próprio partido.
Essa trajetória é revisitada na biografia O Poder da Transformação, a ser lançada no dia 27. Com prefácio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o livro repassa a infância difícil de Doria (o pai, o deputado João Agripino, foi cassado pela ditadura e se exilou em Paris, enquanto a mãe, Maria Sylvia, definhou em meio a uma depressão), a impressionante escalada profissional daquele que iniciou a carreira como office boy, a construção do sucesso empresarial, a partir do qual construiu um invejável patrimônio (189 milhões de reais, segundo declaração ao TSE em 2018), e a entrada na política, quando sua pretensão era desprezada por vários cardeais tucanos. Enfrentou em 2016 na corrida à prefeitura adversários como o hoje ministro Fernando Haddad, que concorria à reeleição, e liquidou a fatura no primeiro turno, feito raro na história da cidade.
João Doria – o poder da transformação
Três anos depois, já no comando do Palácio dos Bandeirantes, levou adiante reformas, privatizações e obras. Criou novas regras para as aposentadorias de servidores, entregou de estradas a parques para a iniciativa privada e iniciou o programa de despoluição do Rio Pinheiros, projeto que incluiu a interligação à rede de esgotos de cerca de 600 000 domicílios. Mas nenhum de seus feitos se compara à liderança durante a pandemia. Iniciou por aqui a vacinação com a chinesa CoronaVac em janeiro de 2021 e, mesmo à custa de perda de popularidade, foi duro na política de fechamento para conter a doença.
A aparição diária em coletivas confrontando o governo federal, o mesmo que apoiara na campanha com o slogan “bolsodoria”, rendeu-lhe críticas até entre aliados, coisa que Doria minimizou: “Nunca desisti diante de desafios”, afirma ele. Demonstrou essa mesma postura ao enfrentar rituais da velha política, como as tardes perdidas entre cafés sem nenhum objetivo prático com prefeitos do interior, ocasiões nas quais demonstrava inquietação marcando com um cronômetro posicionado na frente do interlocutor o tempo reservado.
Ao retirar a candidatura presidencial em maio de 2022, declarou que voltaria a trabalhar na iniciativa privada. Cinco meses depois, anunciou a desfiliação ao PSDB. Pode-se criticá-lo pela falta de jogo de cintura na construção de alianças e pelos exageros de marketing. Para Doria, no entanto, a razão de estar na política era a de enfrentar crenças e hábitos que levam o Brasil ao atraso. “Todo fazedor enfrenta oposição, porque o mais fácil é não fazer”, defende. Mesmo seus maiores inimigos reconhecem que ele levou isso da teoria à prática, com a devida competência.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2023, edição nº 2834
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