A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, no domingo 30, que os novos diálogos revelados pelo site The Intercept Brasil, em parceria com o jornal Folha de S.Paulo, sobre como o empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS Engenharia, mudou seus depoimentos para incriminar o petista no caso do tríplex do Guarujá, mostram que a condenação precisa ser anulada.
“As novas revelações se somam a tantas outras que mostram a necessidade de ser anulado todo o processo e a condenação imposta a Lula, com o restabelecimento de sua liberdade plena”, disse o advogado Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente.
Segundo Zanin, a reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo mostra que Léo Pinheiro, “que ao longo do processo nunca havia incriminado Lula, foi pressionado e repentinamente alterou sua posição anterior em troca de benefícios negociados com procuradores de Curitiba, obtendo a redução substancial de sua pena”.
Zanin lembra que em duas ocasiões – em 16 de junho de 2016 e em 14 de abril de 2017 – a defesa apresentou uma petição, chamada “notícia de fato”, à Procuradoria Geral da República para que fossem devidamente apuradas informações divulgadas pela imprensa “dando conhecimento de que Léo Pinheiro estaria sendo forçado a incluir artificialmente o nome do ex-presidente Lula no seu acordo de delação”. “Tais procedimentos, no entanto, foram sumariamente arquivados”, afirmou o advogado.
O defensor diz, ainda, que também alertou no início do depoimento de Leo Pinheiro, com base em reportagem da própria Folha de S.Paulo e do Valor Econômico publicadas naquela data (23 de abril 2017), que estava em curso uma negociação com procuradores da Curitiba sobre a versão que seria apresentada por Léo Pinheiro naquela ocasião.
“Com base nesses fatos, pedimos a suspensão do depoimento naquele momento, diante do prejuízo imposto à defesa de Lula — pois enquanto a acusação estava conversando com o ex-executivo sobre premiação para que ele incriminasse Lula, a defesa sequer tinha conhecimento da sua real situação jurídica”, afirmou. “O pedido da defesa, porém, foi negado pelo ex-juiz Sergio Moro, permitindo que Léo Pinheiro pudesse prestar depoimento naquela situação”, lembra.
Desconfiança
Procuradores da Operação Lava Jato desconfiaram do empreiteiro durante quase todo o tempo em que se dispôs a colaborar com as investigações. Suas palavras só ganharam crédito após mudar a narrativa sobre o tríplex do Guarujá, em São Paulo.
O empreiteiro apresentou a versão que incriminou Lula em abril de 2017 quase um ano após o início das investigações. Pinheiro condenou o petista ao afirmar que a OAS reformou o tríplex do Guarujá. Em 2016, o ex-presidente da OAS foi condenado na Lava Jato e recorria em liberdade, mas temia ser preso caso o Tribunal Regional Federal da 4ª Região rejeitasse sua apelação.
As mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil revelam que os relatos apresentados pela empreiteira sofreram diversas mudanças no período de um ano. “Acho que tem que prender o Léo Pinheiro. Eles falam pouco. Quer dizer, acho que tem que deixar o TRF prender. Me parece que não está valendo a pena”, afirmou Januário Paludo, integrante da força-tarefa de Curitiba. Embora apontassem omissões nos relatos entregues pelos advogados da OAS, os procuradores achavam que conseguiriam mais informações ao entrevistar os executivos da empresa.
“Pessoal os anexos que a OAS entregou hoje são muito semelhantes àqueles que a Carol enviou antes aqui. Só há alguns anexos novos”, comentou outro integrante da força-tarefa da Lava Jato Jerusa Viecilli. Mesmo insatisfeitos, em agosto os procuradores aceitaram assinar um termo de confidencialidade para fazer as negociações avançarem. Um dia depois da assinatura, reportagem de VEJA revelou que a delação da empreiteira citava também o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal.
Após o vazamento, a maioria dos procuradores defendeu a suspensão das negociações como resposta à quebra de sigilo. Entretanto, o chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, pensava diferente. A Procuradoria-Geral da República anunciou a suspensão alguns dias depois. Uma semana após o ocorrido, VEJA publicou trechos de sete anexos da delação e afirmou que a empresa revelara a existência de uma conta secreta usada para fazer pagamentos ao petista.
“Tinha isso de conta clandestina de Lula? Esses Advs [advogados] não valem nada”, afirmou Anna Carolina, também integrante da força-tarefa. “Não que eu lembre”, disse Jerusa. “Também não lembro. Creio que não há”, comentou Ronaldo Queiroz. “Sobre o Lula eles não queriam trazer nem o apt. Guarujá. Diziam que não tinha crime. Nunca falaram de conta”, completou Sérgio Bueno. Os procuradores, entretanto, acreditavam que a reportagem de VEJA era “fidedigna”.
Em 2017, os procuradores voltaram a conversar com Léo Pinheiro, mas ainda carregam desconfianças sobre o empreiteiro. Em seu depoimento, em abril, ele afirmou que a empresa tinha uma conta informal para administrar acertos com o PT, introduzindo o tema revelado pela VEJA. O relato permitiu para que Moro conectasse o apartamento à corrupção na Petrobras, justificando a prisão de Lula pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Em maio, os procuradores voltaram a conversar com Pinheiro. O empreiteiro continuava sendo alvo de desconfianças pelos procuradores. “Léo parece que está escondendo fatos também”, afirmou Jerusa. Deltan considerava que um acordo com ele, com redução de pena, poderia ser interpretado como concessão indevida. “Não pode parecer um prêmio pela condenação do Lula”, escreveu o procurador.
No fim de 2018, Pinheiro conseguiu um acordo com os procuradores, mas até hoje a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, não o encaminhou ao STF para ser homologado. O empreiteiro está preso em Curitiba.
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