O empresário Fernando Bittar, proprietário formal do sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP), que passou por obras investigadas na Operação Lava Jato, afirmou em depoimento nesta segunda-feira, 12, que, para ele, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ex-primeira-dama Marisa Letícia haviam pagado pelas reformas e a construção de benfeitorias na propriedade.
Bittar, que era sócio de Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, primogênito do ex-presidente, está entre os réus na ação penal que apura se as empreiteiras Odebrecht, OAS e Schahin, esta última por intermédio do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, pagaram 1 milhão de reais em propina ao petista por meio de obras no sítio. A propriedade era frequentada pela família Lula da Silva.
“Eu imaginei que eles estavam pagando, na minha cabeça, tia Marisa e o presidente Lula. Na minha cabeça não tinha nada de ilícito”, disse Fernando Bittar à juíza federal Gabriela Hardt, que substitui o juiz Sergio Moro à frente dos processos da Lava Jato, após ele ter aceitado ocupar o Ministério da Justiça e Segurança Pública no governo Jair Bolsonaro.
Embora o Ministério Público Federal (MPF) tenha localizado notas fiscais emitidas em nome dele por serviços prestados na obra, como no caso de Carlos Rodrigues do Prado, proprietário de uma pequena empreiteira subcontratada pela Odebrecht, Bittar afirmou que não tinha conhecimento delas.
O empresário contou à magistrada que comprou o sítio em 2010 e que seu pai, Jacó Bittar, ofereceu a propriedade à ex-primeira-dama para que lá fosse construída a estrutura necessária para abrigar o acervo presidencial de Lula, que deixava o Palácio do Planalto. “O único pedido de meu pai é que fosse uma obra híbrida, que não descaracterizasse o sítio”, relatou.
“Pelo grau de relacionamento que a gente tem, a gente imaginou o seguinte: ‘Bom, eu não precisava de obra, eles estavam utilizando o sítio, ou seja, eles que têm que arcar com a despesa dessa obra’”, explicou.
Segundo Bittar, o responsável por tocar as intervenções era Bumlai, mas os contratados por ele para executar as obras passaram a criar problemas e foram substituídos. “A única coisa que chama a atenção era uma nova equipe que estava trabalhando. Maior e mais profissional”, disse.
Para ele, os novos trabalhadores ainda eram vinculados ao pecuarista. Delatores da Odebrecht, como Emílio e Marcelo Odebrecht, e o empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, no entanto, confirmaram as conclusões da investigação de que, como as obras não avançavam sob a responsabilidade de José Carlos Bumlai, Marisa Letícia pediu que as empreiteiras assumissem a construção de anexos à sede, reformassem a piscina, o lago e o campo de futebol.
“As obras são simples, elas foram superdimensionadas [pela denúncia do Ministério Público Federal], não são obras de valores vultosos, nada que assuste aos olhos”, declarou. Sobre o cômodo onde estavam alocadas garrafa de vinho, ele ponderou que não se trata de uma adega “de cinema”, mas “um quarto de empregada” adaptado.
De 2010 a 2011, contou Fernando Bittar, sua família frequentava o sítio com maior frequência, mas que a partir de 2012 deu-se uma “inversão”, com os Lula da Silva passando a ir mais vezes. “Em 2012, o presidente Lula foi diagnosticado com câncer e aí, sim, começou a frequentar muito, totalmente, com autorização do meu pai”, disse ele.
Já entre 2013 e 2014, conforme Bittar, ele e sua mulher pretendiam reformar a cozinha do sítio e arcar com as despesas, mas o projeto foi apresentado a Marisa Letícia, que o vetou por considerá-lo muito simples. “Ele [o projeto] foi completamente vetado pela tia Marisa. Ela não gostou. Ela falou: ‘Eu não quero isso aqui. Eu quero um negócio bacana, um negócio que a gente tenha o encontro familiar’”, afirmou.
Bittar relatou que, após a ex-primeira-dama desaprovar o projeto, deu “carta branca” a ela para que o alterasse. Pouco tempo depois, foi chamado para ir ao sítio e lá encontrou Léo Pinheiro e o arquiteto da OAS Paulo Gordilho. O projeto ao gosto de Marisa acabou sendo executado pela empreiteira, que pagou 170.000 reais por um modelo de cozinha de luxo da marca Kitchens. A nota fiscal foi feita em nome do empresário, segundo ele, sem que soubesse.
No depoimento de Fernando Bittar, ele afirmou que foi procurar Marisa Letícia para dizer que não poderia arcar com uma despesa tão alta. “Ela me falou: ‘Não se preocupe, deixa que eu resolvo isso’. Na minha cabeça ela que iria pagar a obra e ela que pagou a obra”, declarou.
A essa altura, o empresário disse que pretendia vender o sítio a Lula e Marisa, mas que seu pai “barrava” a venda. “Na minha cabeça eu já estava no processo de venda para eles, a gente poderia até em algum momento acertar isso com eles, porque isso já não fazia mais parte daquele projeto inicial do acervo [presidencial].”
Em 2014, já após a Lava Jato revelar a relação entre o ex-presidente e a propriedade, o empresário disse que ela se tornou um “tormento” para ele. “Não tinha mais como eu frequentar”, diz. Desde então, Lula demonstrou algumas vezes que gostaria de comprar o sítio para Marisa. A Operação Lava Jato chegou a apreender minutas de venda do imóvel com o nome do ex-presidente como comprador, preparadas pelo advogado Roberto Teixeira, compadre do petista, mas a transação nunca foi concretizada.
Condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão no caso do tríplex do Guarujá, da Lava Jato, Lula está preso em Curitiba há pouco mais de sete meses. Ele prestará depoimento como réu na ação sobre o sítio de Atibaia na próxima quarta-feira, 14. Marisa Letícia Lula da Silva morreu em fevereiro de 2017, vítima de um acidente vascular cerebral.
Defesa de Lula
Por meio de nota, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que o depoimento de Fernando Bittar “não deixou qualquer dúvida de que ele é o proprietário de fato e de direito do sítio de Atibaia”.
O texto diz ainda que depoimentos colhidos hoje na ação penal — do advogado Roberto Teixeira e do Rogério Aurélio Pimentel, além do de Bittar — “evidenciaram que o ex-presidente Lula não tinha conhecimento e não teve qualquer relação com intervenções realizadas nesse sítio de Atibaia durante o período em que exerceu o cargo de presidente da República. Toda a prova coletada na ação, inclusive depoimentos de delatores como Marcelo Odebrecht, demonstrou, ainda, que não existe qualquer relação entre contratos da Petrobras e o sítio e as intervenções realizadas na propriedade, tornando evidente o despropósito da acusação apresentada no processo e seu direcionamento à Lava Jato de Curitiba”.