Às vésperas de depor no Senado para explicar o conteúdo de supostas conversas vazadas pelo site The Intercept, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, concedeu entrevista ao programa do Ratinho, que foi exibido nesta terça-feira 18, no SBT. Bastante elogiado pelo apresentador, que lhe chamou de “um herói sem capa, único herói brasileiro no momento”, Moro se disse tranquilo quanto às denúncias.
“Não posso confirmar [se as conversas aconteceram], não tenho mais as mensagens [no meu celular]. Mas posso dizer que sempre agi com lisura na minha profissão”, declarou o ministro.
De acordo com ele, a maior preocupação quanto ao assunto não é o conteúdo das mensagens divulgadas, mas sim o que considera “um ataque criminoso às instituições”.
“A minha opinião é que não estamos falando de um adolescente na frente de um computador, querendo fazer estripulias, mas de um grupo criminoso e organizado cujo objetivo é obstaculizar os avanços da Lava Jato”, disse.
Ratinho comentou que recebeu informações de que o vazamento está “vinculado a um milionário russo que deu dinheiro a um jornalista famoso internacionalmente, que é namorado de um deputado e que comprou o mandato do Jean Willys” – se referindo claramente ao deputado David Miranda e ao jornalista Glenn Greenwald, autor das reportagens que denunciam Moro.
Ao relatar a acusação, o apresentador ponderou: “Pode ser fake news, deve ser fake news. Mas se for isso é muito maior do que imaginamos, porque envolve outro país”.
Moro não discordou de Ratinho e também apresentou teorias: “Olha, o que eu vi é que começaram a disseminar até questões de contrainteligência, para despistar. Na semana passada, um hacker já começou a invadir outros celulares para fazer brincadeiras. Qual, ao meu ver, é a ideia? Passar a tese do adolescente irresponsável”, disse. Como o Radar mostrou, Moro também falou sobre contrainteligência parau um público de ruralistas.
O ministro prosseguiu: “Neste fim de semana circulou outra informação de contrainteligência, que [o vazamento] seria um procurador que teria traído os demais. Tudo conversa fiada. Eu vi o meu telefone a tentativa dele ser atacado. Recebi três ligações do meu mesmo número e em seguida invadiram o Telegram. Não é alguém que traiu, existe um grupo criminoso e organizado cujo objetivo é obstaculizar investigações ou buscar a anulação de quem já foi condenado por corrupção”.
Pouco antes da exibição da entrevista, que foi gravada na segunda-feira, o The Intercept vazou novos diálogos de Telegram atribuídos a Moro e ao procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol. No novo trecho divulgado, Moro se mostra preocupado a respeito de uma investigação sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que tratava de suposto caixa dois eleitoral pago pela Odebrecht na década de 1990.
Na troca de mensagens, que segundo o site ocorreu em 13 de abril de 2017, o hoje ministro afirma que os indícios de irregularidades envolvendo o tucano lhe pareciam “muito fracos”, sugere que o suposto crime já estaria “mais do que prescrito” e classifica como “questionável” o envio da investigação do Ministério Público Federal (MPF) em Brasília para o de São Paulo sem considerar a prescrição. “Acho questionável pois melindra alguém cujo apoio é importante”, teria escrito Moro a Deltan.
Desmoronando
Reportagem de capa de VEJA publicada na semana passada mostra como a imagem de Moro como guardião da lei e da ordem ficou seriamente comprometida depois da divulgação de mensagens que ele trocou com o Dallagnol enquanto julgava os processos da Lava Jato.
Os diálogos são inequívocos: mostram o estabelecimento de uma relação de cooperação incompatível com a imparcialidade exigida por lei de qualquer juiz. Nas mensagens divulgadas ao longo da semana passada, o ex-juiz aparece orientando uma investigação da força-tarefa da Lava Jato sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cobra a deflagração de novas ações, antecipa uma decisão e sugere a publicação de uma nota pelo MPF para rebater o “showzinho” da defesa de Lula após um depoimento dele.
A dobradinha teria beneficiado os acusadores em detrimento dos acusados, desequilibrando a balança da Justiça e desrespeitando a equidistância entre juízes e as partes do processo. Para garantir a chamada paridade de armas entre defesa e acusação, o Código de Processo Penal (CPP) proíbe que julgadores e procuradores trabalhem juntos em busca de um resultado comum. A lei estabelece que o magistrado deve sempre declarar-se suspeito para julgar um caso quando, por exemplo, “tiver aconselhado qualquer das partes”.