Logo depois de deixar o Palácio do Planalto, Michel Temer costumava repetir que vivia uma “solidão saudável”. Ao que tudo indica, esse período de calmaria passou. Nos últimos meses, o ex-presidente voltou a frequentar as rodas do poder, tem mantido encontros e jantares com políticos, é tratado por Bolsonaro como conselheiro informal e considerado peça fundamental para tentar consolidar o movimento que o governo iniciou em direção ao centro. Menos que uma sondagem e mais como um afago, Temer chegou a conversar com o almirante Flávio Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, até sobre a possibilidade de assumir um ministério. A um amigo, o ex-presidente contou ter discutido com Rocha estratégias para tentar superar as divergências do Brasil com os Estados Unidos e a China. Ao contrário de Bolsonaro, Temer parabenizou pela vitória o democrata Joe Biden, com quem se reuniu algumas vezes enquanto era vice-presidente da República no governo Dilma. O emedebista também discorreu sobre as boas relações que construiu com Xi Jinping, o líder chinês.
A maior expertise de Michel Temer, porém, está em outra seara. Ex-presidente da Câmara ao longo de três mandatos, ele sempre foi elogiado pela habilidade na articulação política — o que lhe garantiu a chegada à Presidência da República, o apoio em massa de legendas que antes sustentavam o governo Dilma mesmo depois do impeachment, a aprovação de pautas de difícil consenso, como a reforma trabalhista e o teto de gastos, e a sua própria sobrevivência no cargo, ao driblar (por duas vezes) graves denúncias por corrupção. É com esse portfólio que ele tem defendido, em conversas, que Bolsonaro abandone o radicalismo e faça uma composição com diversos partidos, o que ele chama de criar um “centro expandido”. Parte dessa estratégia de aglutinação passaria pelo próprio partido de Temer, que tem Baleia Rossi entre os prováveis candidatos à Presidência da Câmara. Por enquanto, tal arranjo parece improvável. Mas não convém duvidar da capacidade de convencimento de um ex-presidente habilidoso como Temer.
Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717