A história é conhecida, os personagens esforçam-se para enterrá-la, mas seu desfecho continua incerto. No ano passado, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou a movimentação de 1,2 milhão de reais, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, na conta bancária de Fabrício Queiroz, amigo de Jair Bolsonaro e motorista de Flavio Bolsonaro, quando o filho do presidente dava expediente como deputado estadual no Rio. Essa movimentação era incompatível com a remuneração de Queiroz no período, de cerca de 23 000 reais por mês, e tornou-se ainda mais nebulosa depois que o site de VEJA revelou que parte dos recursos na conta de Queiroz vinha de sete funcionários também lotados no gabinete de Flavio Bolsonaro. Logo, disseminaram-se duas suspeitas. A primeira: o motorista tomava de volta uma parcela dos salários pagos aos seus colegas. A segunda: ele era um laranja e repassava esse pedágio adiante. Um indício disso seria o depósito de 24 000 reais do ex-motorista na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, também registrado no relatório do Coaf.
De início, os protagonistas do enredo tentaram dar ares de normalidade às transações. Jair Bolsonaro disse que Queiroz, ao repassar dinheiro a Michelle, estava pagando uma dívida cujo total chegava a 40 000 reais. Flavio Bolsonaro declarou ter conversado com o ex-motorista e afirmou que dele ouvira uma “história bastante plausível” para o 1,2 milhão de reais, mas não esclareceu qual era. Queiroz sumiu do mapa. Depois, ao reaparecer, declarou em entrevista ao SBT que fazia dinheiro com compra e revenda de carros. Como a versão deixou uma montanha de dúvidas, a família Bolsonaro mudou de estratégia e adotou a lei do silêncio. Queiroz seguiu à risca a cartilha e faltou a dois depoimentos marcados pelo Ministério Público, com a alegação de que enfrentava um grave problema de saúde. O ex-motorista foi diagnosticado com câncer e recentemente passou por uma cirurgia para a extração de um tumor maligno no intestino. Flavio Bolsonaro, seu antigo patrão, também faltou ao depoimento no Ministério Público, alegando não ter tido tempo para inteirar-se do teor das investigações. A ideia era esfriar o caso e deixá-lo cair no esquecimento.
No sábado 12, porém, veio a público um vídeo em que Queiroz aparece num quarto de hospital, com uma sonda de soro, sambando ao lado da mulher. Foi o suficiente para reacender a polêmica. Diante da repercussão de sua evolução como passista, o ex-motorista resolveu gravar outro vídeo — dessa vez, com ar abatido e acamado. “Estou revoltado com o vídeo que circula na internet, onde apareço comemorando juntamente com a minha família, dentro do hospital, o réveillon. Foram cinco segundos que quis dar de alegria a uma tristeza que tomava conta da enfermaria em que me encontrava.”
Para piorar, a rádio CBN divulgou uma novidade na segunda-feira 14. Quando ainda era deputado, Jair Bolsonaro informou à Câmara que uma das filhas de Queiroz, Nathalia, lotada em seu gabinete entre dezembro de 2016 e outubro de 2018, jamais faltara ao trabalho. O informe é surpreendente, já que Nathalia, no período citado, trabalhava de fato como personal trainer no Rio, como atestam imagens que ela mesma divulgou em suas redes sociais. Oficialmente, a filha de Queiroz era secretária parlamentar de Bolsonaro e recebia salário de, em média, 10 000 reais. A Câmara permite que os deputados contratem secretários parlamentares para trabalhar em seu estado de origem. Cabe a cada parlamentar dizer se eles cumprem a carga horária de quarenta horas semanais. A Câmara não confere se as informações prestadas são verdadeiras. Daí a proliferação de funcionários-fantasma.
Conforme o relato de Bolsonaro, Nathalia era uma servidora devotada: nunca faltou e, por isso, ao ser exonerada, teve direito a um contracheque de 28 000 reais, valor que incluía férias vencidas e não gozadas. Enquanto esteve empregada no gabinete de Bolsonaro, a personal trainer repassou ao seu pai 84 000 reais, de acordo com os registros do Coaf. Nathalia, seguindo a tática do silêncio dos envolvidos no caso, também faltou ao depoimento no Ministério Público. A família está com sorte. A pedido de Flavio Bolsonaro, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu na quarta 16 a investigação sobre as movimentações financeiras de Queiroz.
Publicado em VEJA de 23 de janeiro de 2019, edição nº 2618
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