Líder nas pesquisas de intenção de voto, Lula intensificou a ofensiva para conquistar o apoio de representantes do agronegócio, setor que responde por 27% do produto interno bruto (PIB) do país, tem boa relação com o governo de Jair Bolsonaro e fez as doações mais generosas à campanha à reeleição do presidente. Em linha com o perfil conciliador que encena em sua campanha, o petista tenta convencer os grandes produtores rurais de que, se eleito, trabalhará tanto por eles como pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que é um aliado histórico do PT. Sua gestão se equilibraria entre os interesses dos dois grupos, reduzindo atritos e se esforçando para torná-los forças econômicas complementares. O discurso é bonito. O desafio, como de costume, é torná-lo realidade, já que imperam as desconfianças devido à atuação do MST. Nas últimas décadas, o movimento invadiu propriedades produtivas, destruiu áreas destinadas à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico e agiu como braço político do PT, como na invasão à fazenda do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Além desse histórico, números oficiais ajudam a entender as dificuldades de Lula para ganhar terreno entre setores do agronegócio. Em seus dois governos, o MST invadiu 1 968 fazendas. Na gestão de Dilma Rousseff, foram 969 propriedades. Já nos três primeiros anos de mandato de Bolsonaro, registraram-se apenas 24 invasões. Os assassinatos no campo também caíram de 38 por ano, durante o governo Lula, para 29 na administração atual. Para boa parte dos ruralistas, o PT é sinônimo de confusão no campo, enquanto Bolsonaro é garantia de segurança. A missão de Lula é tentar desfazer essa impressão. Apresentando-se na campanha como pacificador do país, o ex-presidente — que antes costumava usar o “exército vermelho” do MST para intimidar adversários — diz que o movimento amadureceu e quer menos conflito e mais produção. “O MST é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil”, disse Lula. “Você vai ver que aquele MST de trinta anos atrás não existe mais”, acrescentou.
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Um dos líderes nacionais do MST, João Pedro Stedile declarou em entrevista divulgada no site do movimento que, em caso de vitória de Lula, serão reativadas as grandes mobilizações de massa. Entre elas, destacou, as invasões de propriedade privada. “Acho que a vitória do Lula, como se avizinha, vai ter como uma consequência natural um reânimo para nós retomarmos as grandes mobilizações de massa”, afirmou Stedile. Um dos coordenadores da campanha presidencial de Lula, outro líder do MST, João Paulo Rodrigues, reforçou o coro em outra entrevista. “A militância nossa tem noção de que estamos há quatro anos sem ter conquistas. Tem uma vontade coletiva de nós ocuparmos prédio do Incra, de fazer ocupação, mas todo mundo sabe que nós não precisamos chamar a repressão pra cima de nós agora”, declarou Rodrigues.
Durante seus dois mandatos, Lula tentou acalmar os ânimos do MST liberando recursos para cooperativas ligadas ao movimento, o que ajudou a conter o ímpeto de invasões. Na época, o petista também fortaleceu a política de créditos oficiais a grandes produtores, numa estratégia destinada a colher o apoio desses dois grupos a sua administração. Como em 2022 quem está mais desgarrado são os representantes do agronegócio, Lula tem acenado mais a eles. Depois de derrapar do ponto de vista eleitoral, ao chamar uma fatia do agro de fascista, por devastar o meio ambiente, o ex-presidente tentou se explicar e fez uma declaração inédita pensada para agradar à audiência. De forma surpreendente, ele até defendeu a ideia de que os fazendeiros possuam armas para proteger suas propriedades, repetindo um mantra caro a Bolsonaro. “Ninguém vai proibir que o dono de fazenda tenha uma ou duas armas”, prometeu o ex-presidente.
No Brasil idealizado por Lula, o agronegócio se dedicaria às exportações — e a agricultura familiar, a abastecer o mercado interno. A retórica do MST dificulta a crença num ambiente de harmonia para essa produção. “O discurso de Lula é contraditório. O MST não é uma organização de produtores. Eles são agitadores que querem prejudicar a política fundiária do país”, diz Alysson Paulinelli, ex-ministro da Agricultura. Para superar a desconfiança, Lula escalou o seu vice, o ex-governador Geraldo Alckmin, para conversar com líderes do agronegócio, principalmente das regiões Sudeste e Centro-Oeste. O ex-presidente também conta com a ajuda do produtor Carlos Augustin, irmão de Arno Augustin, secretário do Tesouro nos governos petistas. “O Lula pegou o Alckmin, e não o Stedile, de vice. Se o Lula quisesse botar fogo no parquinho, ele pegava o Stedile de vice”, disse a VEJA Augustin, resumindo o espírito da argumentação usada nas conversas. Pelo menos no campo financeiro, essa retórica não tem surtido efeito. Segundo registros do Tribunal Superior Eleitoral, Lula não recebeu um centavo em doação vinda do agronegócio. O campo quer paz.
Publicado em VEJA de 5 de outubro de 2022, edição nº 2809