O ex-procurador-geral Rodrigo Janot vive de solavancos desde que revelou a VEJA que planejara matar um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). As consequências da entrevista na qual afirmava ter ido armado ao STF com a intenção de atirar em Gilmar Mendes e, na sequência, se suicidar provocaram uma reviravolta em sua vida. Os clientes de seu recém-aberto escritório de advocacia suspenderam negociações de contratos, e antigos parceiros da Operação Lava-Jato lhe viraram as costas. Janot foi banido do Supremo, ameaçado de prisão caso chegasse a menos de 200 metros de qualquer ministro e ainda teve sua residência revirada pela polícia. A catarse que transformou o investigador em investigado também serviu para alimentar um projeto de vingança patrocinado por desafetos e alguns políticos envolvidos no escândalo de corrupção na Petrobras.
Como procurador-geral, Janot apresentou um pedido de prisão contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL) por suspeitas de o parlamentar atrapalhar as investigações da Lava-Jato e denunciou-o em vários inquéritos por recebimento de propina, mas se aposentou sem vê-lo punido. Também como procurador, requereu a prisão e o afastamento do deputado Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados por acusações de corrupção e lavagem de dinheiro. Na reta final de seu mandato, ainda denunciou duas vezes o então presidente Michel Temer por crimes como obstrução de Justiça e organização criminosa. Fora do Ministério Público, Janot pode ter seu destino profissional definido por influência desses mesmos personagens.
Renan Calheiros é o autor de um pedido para cassar o registro de advogado do ex-procurador. O caso será julgado em breve pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção do Distrito Federal, hoje presidida por Délio Lins e Silva Júnior, defensor de Eduardo Cunha na Lava-Jato. Há uma segunda representação contra Janot com o mesmo objetivo, cujo autor é o atual governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Ex-presidente da OAB-DF, Ibaneis é amigo de Michel Temer, que também foi preso na Lava-Jato. Quando o ex-presidente foi solto, o jatinho usado por ele para voltar para São Paulo foi emprestado pelo governador. Lins e Silva disse a VEJA que se declarou impedido de atuar no caso dentro da OAB e afirmou que “o Tribunal de Ética, órgão responsável pela apuração dos fatos, tem autonomia e não se pauta por ingerências políticas de qualquer natureza”. “A representação na OAB é uma iniciativa para frear os abusos de um ex-procurador antiético e com tendência homicida, como ele mesmo confessou”, disse Calheiros. Ibaneis não se manifestou.
Para tentar se livrar do que acredita ser um jogo de cartas marcadas, Rodrigo Janot vai enfrentar uma daquelas ironias do destino. Ele tentará retirar o julgamento da OAB de Brasília utilizando uma tese que, no passado, beneficiou o ex-ministro José Dirceu, um dos presos da Lava-Jato. Embora o estatuto dos advogados estabeleça que cabe à seccional onde ocorreu o suposto crime julgar a cassação de registros profissionais, o ex-ministro petista conseguiu reverter esse entendimento. O precedente de Dirceu ocorreu em 2014, quando a OAB nacional decidiu que caberia a São Paulo analisar o pedido de cassação da carteirinha dele. Acusado de não ter idoneidade para exercer a profissão, Dirceu tinha o registro concedido pela OAB paulista e uma versão suplementar para poder atuar em Brasília, onde tramitaram os processos do mensalão contra ele. O ex-chefe do MP tem situação parecida: seu registro principal na OAB é de Minas Gerais, para onde ele tentará transferir o caso.
Sem o registro em Brasília, Janot pode ficar definitivamente impedido de advogar nos tribunais da capital federal. Com o futuro profissional em compasso de espera, o ex-procurador tem trabalhado como consultor de uma grande empresa na área ambiental. Porém, se tudo der errado e cassarem seu registro, ele confidenciou a um interlocutor que não descarta a hipótese de disputar as próximas eleições majoritárias. “Se obstruírem minha vida profissional, vou bater à porta da política e me candidatar. É uma questão de sobrevivência”, disse. Quem ouviu essa afirmação percebeu uma pitada de sarcasmo, mas lembrou que foi nesse mesmo tom que Janot, certa vez, revelou que estava pensando em invadir o Supremo e matar um ministro que havia levantado suspeitas contra sua filha. Na época, ninguém acreditou.
Publicado em VEJA de 12 de fevereiro de 2020, edição nº 2673