Em depoimento à Polícia Federal em Brasília, Walter Delgatti Neto, que admitiu ter invadido contas de autoridades no aplicativo Telegram, afirmou que “nunca recebeu qualquer valor, quantia ou vantagem” por ter entregue o material com diálogos ao jornalista Glenn Greenwald, editor do site The Intercept Brasil.
Conhecido como “Vermelho”, Delgatti Neto foi preso na terça-feira 23, na Operação Spoofing. A PF estima que pelo menos 1000 pessoas tiveram contas invadidas, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, o procurador da República Deltan Dallagnol, a deputada Joice Hasselmann, líder do governo no Congresso, e o ministro da Economia, Paulo Guedes.
“QUE nunca recebeu qualquer valor , quantia ou vantagem em troca do material disponibilizado ao jornalista GLENN GREENWALD; QUE o material disponibilizado ao GLEEN GREENWALD foi obtido exclusivamente pelo acesso a contas do TELEGRAM; QUE a partir do acesso que teve a contas do TELEGRAM de diversas autoridades públicas”, diz o relatório do depoimento de Delgatti Neto.
Delgatti afirmou que conseguiu o contato de Greenwald por meio da ex-deputada federal Manuela D’Ávila, cujo contato foi obtido na agenda da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no Telegram. O hacker teria ligado para Manuela e dito a ela que tinha mensagens trocadas entre os procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba e entre eles e o ex-juiz federal e ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, nas quais haveria irregularidades.
Walter Delgatti Neto relatou à PF ter informado Manuela D’ávila de que sua intenção era entregar o conteúdo a Greenwald, que ele conhecia por sua atuação no caso Wikileaks. A ex-deputada não teria acreditado nele inicialmente, mas passou a acreditar depois que ele enviou a ela um áudio trocado entre os procuradores regionais da República Januário Paludo e Orlando Martelo.
Dez minutos depois do contato com Manuela, Walter Delgatti Neto afirma ter recebido uma mensagem de Glenn Greenwald no Telegram, que teria dito a ele ter interesse no material. No depoimento, Delgatti diz ainda que começou a passar o conteúdo ao jornalista e que criou uma conta no Dropbox, pelos dados serem muito volumosos. Walter Delgatti disse que não informou seus dados pessoais a Greenwald ou a ninguém da equipe dele e que o jornalista não o conhece.
Conforme o depoimento, Delgatti disse não ter editado o conteúdo e que acredita não ser possível fazê-lo.
Cadeia de invasões
Walter Delgatti Neto afirmou à PF que o primeiro alvo de seu ataque foi o promotor de Justiça Marcel Zanin Bombardi, responsável pelo oferecimento de uma denúncia contra ele pelo crime de tráfico de drogas, relacionado a medicamentos. À PF, o hacker afirmou que resolveu atacar o aparelho de Bombardi por atos que ele considerava “ilícitos” cometidos pelo promotor.
As conversas de Bombardi no aplicativo de mensagens Telegram foram armazenadas por ele em seu notebook. Delgatti disse que não publicou o conteúdo das mensagens por “temer ser vinculado ao ataque”, tendo em vista que morava em uma “cidade pequena” e ser conhecido por ter “conhecimento avançado em informática”.
A partir da lista de contatos de Marcel Zanin Bombardi, Delgatti iniciou uma série de invasões. Primeiro, por meio da conta de um procurador da República, ele teve acesso ao “Valoriza MPF”, grupo criado pelo procurador regional da República José Robalinho Cavalcanti. Um dos participantes do grupo, que não teve sua identidade revelada, tinha, em sua agenda, o telefone do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP). Através do celular do parlamentar, o hacker chegou ao número do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
A invasão ao aparelho de Moraes forneceu a Delgatti Neto o telefone do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Por meio da agenda de Janot, obteve o número de membros da força-tarefa da Lava Jato, como os procuradores Deltan Dallagnol, Orlando Martello Júnior e Januário Paludo.
Segundo Delgatti Neto, o acesso aos telefones das autoridades citadas acima ocorreu entre março e maio de 2019, e que somente armazenou o conteúdo das conversas dos membros do Ministério Público do Paraná, porque, em sua avaliação, constatou “atos ilícitos” dos procuradores.
Delgatti chegou ao número de Sergio Moro através da agenda de Dallagnol. O hacker, então, obteve o códio utilizado pelo Telegram para criar uma conta vinculada ao atual ministro da Justiça. Delgatti ressaltou que não obteve nenhum conteúdo da conta de Moro no aplicativo de mensagens.
Leia aqui a íntegra do depoimento.